Biel Chess Festival e os Últimos Românticos

    Começou no dia 19 deste mês, e vai até o dia 30, na Suíça, a 48ª edição do mais que tradicional Biel Chess Festival. Este ano o torneio conta com seis Grandes Mestres – alguns mais contidos; outros mais “exóticos”.

    Transcorridas cinco rodadas, a atenção vem recaindo sobre os, talvez, dois últimos românticos do xadrez – o exagero é inevitável: David Navara e Richard Rapport. E em situações bem diferentes na tabela que, aliás, reflete um pouco também a personalidade de ambos: enquanto Navara lidera com 3,5 pontos em 5,0 possíveis, o destemido (e inconsequente) Rapport ocupa a última posição, com 2,0 pontos.

    Navara faz o tipo bom moço, politicamente correto, cordial, embora um tanto quanto alheio ao mundo exterior – é um romântico no sentido mais suave da coisa: vê  um mundo mais belo, sublime (para mais detalhes desta figura sensacional do xadrez mundial, adquira aqui uma das mais divertidas palestras da Academia – na qual os GM’s Alexandr Fier e Rafael Leitão analisam duas partidas de Fier contra Navara, jogadas este ano. Fier mostrando as variantes que calculou durante a partida; o que deixou escapar; e contando também as histórias de suas sessões de análise “post mortem” com o brilhante GM tcheco).

    Já Rapport, não. Rapport é rock and roll. Verdadeiro bad boy (cabelo estilizado, aberturas que beiram o suicídio e até mesmo o desrespeito), está mais para um romântico gótico, meio alucinado, violento. A vida é curta demais: let´s go, baby.

     

    De todas as partidas jogadas destes românticos – embora cada um ao seu modo –, duas são as mais comentadas: Rapport x Adams (segunda rodada) e Navarra x Wojtaszeck  (quarta rodada).

    A primeira partida, Rapport e Adams, lembrou o velho estilo “romântico” de xadrez, a começar pela abertura: o regicida (para as brancas; ou para as negras) Gambito do Rei. Sobre este jogo, nas palavras do GM Rafael Leitão:

    “Erros são inevitáveis nesse tipo de posição ‘irracional’. Mas, de todas as maneiras, por mais ‘bonito’ que seja esse estilo de jogo, está claro que se quiser chegar entre os 10 melhores do mundo, Rapport terá que domar seu temperamento, pois essas bravatas não funcionam contra os melhores do mundo. E Adams, um jogador posicional exuberante, poderia ter chegado ainda mais alto se tivesse um instinto mais competitivo. Não imagino Carlsen ou Nakamura, por exemplo, empatando essa partida com a posição que ele tinha…”

    Pouco mais a dizer: vejam a partida comentada aqui e tirem suas próprias conclusões (alguns empates valem mais do que mil vitórias. Provavelmente não é o caso, mas, exagero por exagero…). E em tempo: na quinta rodada, contra Eljanov, Rapport, de pretas, em determinado momento da partida numa posição ainda complexa (pré-final: bispo x torre contra bispo x torre – 6 peões contra 7), realizou 9 lances consecutivos de peões (do lance 27 ao 35).

    Mas se a partida de Rapport contra Adams mostrou toda a sua tendência suicida e desapego ao rei, a de Navara contra Wojtaszeck é o contrário: o rei está, sim, romanticamente correndo em meio às peças, mas não por algum sintoma autodestrutivo. E nem é só pelo heroísmo que a “maratona” é bonita: “a corrida do rei” é idealismo puro – rumo ao peão de h7. Mais uma vez, nas palavras do GM Leitão (veja a partida analisada aqui):

    “Ontem Navara jogou uma das partidas mais inusitadas dos últimos anos. Acho que uma corrida de rei como essa não tem igual na história do xadrez. O mais impressionante é que está tudo correto (o resultado normal seria o empate). Não é à toa que ele é um dos meus jogadores prediletos. Suas partidas são diversão garantida.”

    Já diria Fernando Pessoa: “Todas as cartas de amor são ridículas. Mas não seriam ridículas se não fossem cartas de amor”. E viva o Romantismo.

     

    Site Oficial: Biel Chess Festival

    Fonte: Chessbase

     

    Escrito por Equipe Academia de Xadrez Rafael Leitão em 24.07.2015.

     

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