Continental 2017: Um Relato Pessoal – Parte II

    Esta é a segunda parte do artigo do MI Renato Quintiliano sobre o Torneio Continental 2017. Para ler a primeira parte deste artigo, [ clique aqui ].

    O Continental dos Brasileiros: Não Foi Dessa Vez (De Novo)

     

    De uma forma geral, os brasileiros tiveram uma má participação em Medellín. Comecei com excelentes 3/3, em seguida uma partida lutada com o GM Bruzón, onde, num momento tenso e dos dois com menos de um minuto no relógio, eu estava perdido mas poderia ter requisitado a terceira repetição da posição, que eu senti ter ocorrido mas não tive certeza e nem tempo de conferir, e acabei perdendo em alguns lances.

     

    Essa derrota não me abalou e segui fazendo partidas boas, vencendo as que era favorito, depois um empate tenso com o GM Flores, campeão argentino, e uma derrota de brancas frente ao experiente GM americano Alexander Shabalov, na qual fui surpreendido na abertura.

     

    Venci a rodada seguinte e tudo parecia bem: estava jogando partidas interessantes e lutando bem, as duas derrotas haviam sido para jogadores fortes e em partidas muito lutadas, me sentia em boa forma e pronto pra buscar o melhor resultado possível nas três últimas rodadas.

     

    Que se revelariam um pesadelo. Apesar de estar confiante, uma análise fria dos acontecimentos pode indicar que essa confiança gerou um otimismo perigoso no meu jogo.

     

     


     

     

    Na nona rodada, em uma posição aparentemente simples, uma avaliação descuidada e otimista de uma troca me levou a uma situação estrategicamente perdida em menos de 20 lances, que meu adversário aproveitou muito bem e não deu chances, embora eu tenha tentado lutar.

     

    Isso encerrou minhas chances de buscar uma norma de GM no torneio. Mas sempre pode piorar. Talvez o maior exemplo de como a confiança em nosso jogo pode nos tornar descuidados veio na décima rodada, onde omiti um lance tão temático em posições de Siciliana que, para alguém que joga essas variantes há uma vida, chega a ser vergonhoso. [ Veja a partida clicando aqui ].

     

    Mas sempre pode piorar. Acabei empatando a última rodada com um jovem talento colombiano de apenas 14 anos, que numa posição onde eu pensava ter encontrado uma ideia ganhadora, conseguiu se defender e lutar muito bem, até mesmo tendo chances de me vencer em certo ponto, mas se contentou com o empate. E assim terminou o Continental onde tive meu melhor início, e também minha pior reta final.

     

     

    Os Demais Brasileiros

     

    Outros brasileiros presentes lutando para ficar na parte de cima eram o [ GM Krikor Mekhitarian ] (também viu suas chances de lutar pela vaga na Copa do Mundo ficarem para a próxima ao perder a nona rodada), o MI César Umetsubo (fez um torneio bom, ficou longe da norma de GM mas tinha até chance de ir pro desempate pela vaga se ganhasse a última partida), o MI Roberto Molina (também fez um torneio bastante abaixo das expectativas) e o MF Álvaro Aranha (assim como eu e os outros, com exceção do Umetsubo, fez uma má segunda metade do torneio).

     

    Assim como em Montevidéu 2015, os brasileiros terminam esse continental com resultados ruins e aquém de nossas expectativas. Mas como sempre, voltaremos no ano seguinte renovados e com mais vontade que nunca de surpreender! O Continental de 2018 já tem lugar, será novamente em Montevidéu, quem sabe seja a chance de nos redimirmos!? Esperamos que sim!

     

     

    A Classificação Heroica do GM Fier Para a Copa do Mundo!

     

    Não é um exagero afirmar que, entre todos os participantes presentes no Continental, classificar para a Copa do Mundo de xadrez tinha um significado especial para um deles: [ Fier ].

     

    Isso porque o torneio esse ano será realizado em setembro em Tbilisi, na Geórgia, onde Fier vive há 4 anos com sua esposa e filho. Que é curioso ter que atravessar o Atlântico para jogar um forte torneio e ganhar o direito de tomar um ônibus de 20 minutos pra participar de outro torneio na sua cidade, não há como negar.

     

    Fier teve um bom início com 4/4, e em seguida uma série de 5 empates seguidos. Desses se destacam as partidas da sexta rodada, contra o GM canadense Anton Kovalyov, onde Fier saiu com grande vantagem da abertura e poderia ter vencido, e o da oitava, contra o GM cubano também classificado Yusnel Bacallao Alonso, na qual viu seu rei ficar exposto a um forte ataque do adversário, mas após muitos fogos de artifício e verdadeiro malabarismo, o fim foi pacífico.

     

    Essa série de empates ameaçou deixar o GM brasileiro de fora da briga pelas vagas da copa, mas, com uma boa vitória na décima rodada frente ao GM americano Robert Hungaski, Fier voltava pra disputa.

     

    O emparceiramento da última rodada foi duro, de pretas contra o forte GM venezuelano Eduardo Iturrizaga, que vive boa fase em 2017 e era o pré-1 em Medellín, e terminou em empate, o que confirmava a suspeita de que haveria o desempate para uma ou mais vagas.

     

     

    Finalizada a última rodada, ficou claro que havia somente uma vaga, e seis jogadores para disputá-la em partidas rápidas com ritmo de 15min+10s, eram eles: GM Fier (quem havia ficado melhor na classificação final do torneio, por isso teria preferência num eventual empate na classificação das rápidas), GM Iturrizaga, GM Hungaski, GM Ramirez, MI Vera Siguenas e GM Kaidanov.

     

    Se dizem que brasileiros são fanáticos por futebol, é porque ainda não viram como foi a torcida nesse desempate. Ninguém parecia ter motivos para comemorar o próprio torneio, mas todos torciam muito para que o de Fier tivesse esse final feliz. Ocupamos a sala ao lado da que era jogado o torneio, onde havia um visor transmitindo as partidas, e tanto a tensão, como a apreensão e vibração a cada resultado, não eram nada diferentes de assistindo um clássico no estádio.

     

    Ao fim de cada rodada, Fier aparecia nessa sala, onde era praticamente ovacionado, e o GM Krikor Mekhitarian estava preparado para sugerir ideias ou preparações possíveis para a partida seguinte, estratégia que funcionou pelo menos em uma das partidas.

     

    O desempate foi um torneio à parte para Fier: ele dominou do começo ao fim. Desde o início, pensávamos que a disputa principal seria entre ele e Iturrizaga, jogador conhecido por ser muito forte em partidas rápidas e blitz, inclusive com bons resultados em mundiais.

     

    Porém, Caíssa tem seus caprichos, e logo na primeira rodada houve uma surpresa: Iturrizaga perdeu para Hungaski, enquanto Fier atropelava Ramirez. Daí em diante, foi uma corrida: Iturrizaga venceu as três seguintes, contra Ramirez, Vera e Kaidanov, e Fier empatou confortavelmente com Vera, empatou encontrando lances muito bons contra Kaidanov e venceu Hungaski em uma excelente partida posicional.

     

    Assim, os dois chegaram com a mesma pontuação na última rodada (3 pontos), mas Fier tinha brancas e o empate lhe favorecia, o que colocava o GM venezuelano em situação delicada, tendo que correr riscos. Daí pra frente, como dizem, o resto é história: Fier jogou uma partida irretocável do início ao fim, sem dar quaisquer chances para seu adversário e forçando o mesmo a correr riscos e se expor, finalizando em sua maneira preferida e habitual: um mate imparável. [ Veja a partida clicando aqui ].

     

    Abaixo, seguem análises das duas partidas que considero decisivas nesse desempate: a primeira, onde um par de decisões de Fier nos surpreenderam, e mostram bem sua visão diferenciada e criatividade, e a última, que consagrou seu torneio. (Partidas Ramirez e Iturrizaga) (foto Fier em ação no desempate)

     

    É do Brasil! Se torcemos no xadrez igual no futebol, não é difícil imaginar que a euforia da torcida foi também semelhante, no fim do desempate.

     

     

    Fier teve um começo de ano irregular, mas nos últimos torneios vem recuperando pontos e tendo ótimos resultados. Depois do excelente torneio em Medellín, está mais próximo de voltar a uma faixa de rating que lhe é de direito, os 2600, e esperamos que jogar uma Copa do Mundo em casa lhe seja um estímulo a mais para surpreender e fazer grandes partidas.

     

    Fier já eliminou jogadores como Wang Yue e Wojtazsek em Copas do Mundo, e tem tudo para ir bem mais uma vez. Com isso, o Brasil tem dois representantes em Tbilisi: Ele se junta ao GM El Debs, classificado de forma não menos emocionante em Florianópolis, no último Zonal 2.4. Boa sorte aos dois!

     

    O torneio foi vencido pelo jovem GM americano Samuel Sevian, que também está fazendo um ano incrível e mostrou muita concentração e força de jogo. É uma força que com certeza veremos entre a elite do xadrez mundial nos próximos anos. Os outros classificados foram o GM Neuris Delgado(Paraguai,3º), GM Axel Bachmann(Paraguai,4º, pela primeira vez na história o Paraguai terá representantes na copa do mundo!), GM Lázaro Bruzón(Cuba, 6º), e GM Yusnel Bacallao Alonso(Cuba, 7º).

     

    E assim foi mais um grande Continental das Américas, cheio de luta e muitas emoções, e apesar dos resultados não serem bons para todos, o Brasil tem motivos para comemorar. Nos vemos em Montevidéu ano que vem!

     

    Artigo escrito pelo MI Renato Quintiliano

     

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