Por Rafael Leitão
Uma das técnicas mais importantes para o aprimoramento do cálculo é a de LANCES CANDIDATOS. O termo, inventado, por Kotov em seu clássico “Pense Como Um Grande Mestre”, refere-se à procura e listagem de todas as jogadas de interesse, tanto para você quanto para seu adversário, especialmente útil nas posições mais matemáticas.
A imensa maioria dos enxadristas calcula mal, de forma desorganizada e imprecisa, indo e voltando nas variantes, sem chegar a nenhuma conclusão. Trabalhar essa deficiência no jogo é fundamental, começando por desenvolver o “vocabulário tático”, com a resolução de um sem-número de exercícios, até chegar às posições mais complexas. A tarefa é árdua e requer tempo e dedicação, mas é renegada por 99% dos jogadores, que acreditam que montar um repertório e decorar todas as linhas e sub-linhas é o mais importante.
A técnica de LANCES CANDIDATOS ganhou acepções que superam até mesmo sua limitação para posições de cálculo. Pode ser útil também para formular planos. Dvoretsky, em um dos seus livros, sugere o conceito de “Planos Candidatos”.
Mas é importante superar os moldes originais deste conceito, tal qual sugerido inicialmente por Kotov. Ele imaginava a mente humana como um robô, capaz de metodicamente formular a lista de candidatos logo no início, concluindo racionalmente cada linha de análise, jamais analisando duas vezes a mesma jogada. Nem as mentes mais brilhantes seriam capazes de tamanha precisão. É preciso flexibilizar. Muitas vezes notamos um tema tático importante em uma posição só depois de alguma análise, quando é necessário voltar à posição inicial e ver se este novo tema não muda nossa lista de candidatos.
Em geral, me alinho com a sugestão do GM Nunn, em sua obra “Secrets Of Practical Chess”. Antes de fazer a lista de candidatos é preciso fazer uma análise prévia, rápida, da posição. Dependendo da complexidade do problema à nossa frente, esta análise inicial pode até mesmo se revelar suficiente para encontrarmos o melhor lance. Se notarmos que o cálculo é intrincado, a análise prévia nos fornecerá alguns elementos necessários para voltarmos à posição inicial e formularmos com maior precisão a lista de candidatos, assim como as possíveis respostas do oponente.
Recentemente, tive um problema em minha partida com o GM Giovanni Vescovi em que alguns destes conceitos podem ser exemplificados.
LEITÃO X VESCOVI, Campinas 2011
As brancas têm um peão a mais e as peças bem centralizadas, mas as pretas exercem pressão no meu bispo de d5, que se retroceder permite uma invasão pela coluna d. Intuitivamente nota-se que as brancas devem ter alguma continuação vantajosa, mas é preciso jogar com precisão. Neste momento ambos tínhamos por volta de 15 minutos no relógio.
Para começar a análise, ofereço aos leitores sucintamente qual foi o meu processo de pensamento para chegar à minha decisão (equivocada).
Minha ideia inicial, que eu havia calculado enquanto Giovanni pensava para efetuar a jogada 26…De7-b4, era responder com 27.Te3 (27.Te2 dá na mesma), com o plano de trazer a torre para a coluna “d” e segurar meu peão a mais. Analisei superficialmente a seguinte variante: 27.Te3 Cxd5 28.exd5 Txd5 29.Txd5 Txd5 30.Te8+ Rh7 31.Dc8 e pensei “não é possível que ele escape aqui. Minha posição tem que ser ganha!”. Mas quando a posição surgiu no tabuleiro, tive dúvidas. Após 31…g5! 32.Dh3+ Rg6 aparentemente o ataque chega ao fim. Com o tempo ficando curto e sem encontrar uma continuação convincente, decidi-me por um lance que surgiu de última hora, superficialmente: 27.Dc4. O leitor poderia apontar o(s) erro(s) na minha análise?
Inicialmente, a jogada 27.Dc4? permite que as pretas igualem após uma sequência precisa: 27…Cxd5! 28.exd5 Dxc4 29.bxc4 b5!, e a partida terminou em empate. Na prática, a decisão poderia ser tomada com base apenas neste cálculo, utilizando-se o MÉTODO DA ELIMINAÇÃO. 27.Dc4? leva ao empate, enquanto 27.Te3 (ou 27.Te2) levam a uma posição com perspectivas de ataque para o branco, na qual o máximo que as pretas podem conseguir é o empate.
Minha análise do lance 27.Te3 teve dois graves “furos”. O primeiro, na posição após 32…Rg6, as brancas conservam um forte ataque com 33.Te6+! f6 (33…fxe6 leva a um final de damas com peão a mais para as brancas, mas as pretas têm chances de empate) 34.Dh8! com forte ataque. Giovanni viu o recurso 33.Te6+, mas não avaliou que a posição final fosse tão perigosa.
Mas o erro maior veio antes. Se eu tivesse organizado melhor o cálculo e feito uma lista de lances candidatos após 30…Rh7, talvez encontrasse o sutil e letal 31.Dc7!!, um bonito lance “calmo” (estes são os lances mais difíceis de se achar, os que são decisivos mesmo sem gerar – aparentemente – uma ameaça tão grave). Às pretas nada mais resta que abandonar. Após 32…Tf5 33.Dc8!, nota-se a diferença: g6-g5 não é mais possível.
Espero que os leitores tenham observada a importância de treinar a técnica de Lances Candidatos, assim como as lições que podemos tirar da análise detalhada de nossas partidas.
LEITURA RECOMENDADA:
– Kotov: Pense Como Um Grande Mestre
– Dvoretsky: School of Chess Excellence, Vol. II
– John Nunn: Secrets Of Practical Chess
– Rafael Leitão: Apostila de Cálculo
Excelente exemplo, Rafael. Vou seguir tuas orientações.
Muito bom, assim vamos aprendendo as diferenças entre os meros mortais e os GMs! Excelente dica para vários jogadores! Me incluo entre esses jogadores! Valeu...
Obrigado Rafael pela ajuda,precisamos de mais GMsque deem dicas como você para o nivel dos enxadristas brasileiros aumentar!
Como Pensar no Xadrez1) Procure lances que captura alguma peça ou que ameaça alguma peça, procure algum tema tático q lhe traga vantagem. 2) Não encontrado nenhuma tática que obtenha um vantagem importante, utilize conceitos estratégico posicionais para analisar a posição.3) Após essa análise, busque lances candidatos conforme a ideia estratégica escolhida, analisando os lances candidatos, comece a calcular as variantes uma a uma. Após todo esse procedimento realize o movimento que achar mais interessante de acordo com a situação.O que você acha?
Momento Crucial da Partida.
Excelente lógica Rafael Leitão. Já raciocinava assim intuitivamente no meu aprendizado do Xadrez.