A Opinião de Kasparov Sobre a Recusa de Fischer em Defender O Título Mundial

    A Opinião de Kasparov Sobre a Recusa de Fischer em Defender O Título Mundial

    “Não vale a pena adivinhar o desfecho do match com Fischer, mas não duvido um só instante que esse seria o acontecimento mais importante da minha vida.”

    Anatoly Karpov

     

    Moscou, 24 de abril de 1975.

    O presidente da FIDE, o ex-campeão mundial Max Euwe, coroa o soviético Anatoly Karpov como campeão mundial de xadrez.

    Sem dúvida esse foi um dos dias mais tristes para a história do xadrez. Não pelo título de Karpov, que era merecedor de tal louro, mas sim pela ausência de Bobby Fischer, o então campeão que acabara de abdicar o título.

    Depois de vencer o também soviético Boris Spassky em 1972, o americano Robert James Fischer simplesmente “desapareceu” e, apesar das inúmeras tratativas para a realização do match com Karpov, Fischer não jogou.

    Como disse Max Euwe na coroação de Karpov:

    “Fischer teve todas as oportunidades para defender seu título. A sua obstinação ou outras notas de seu caráter, que eu, como muitos outros não entendo, impediram-no de utilizar seu direito e de cumprir seu dever no mundo do xadrez”.

    Mas a grande questão acerca desse curioso fato, lamentado por todos (até mesmo por Karpov), gira em torno das razões de Fischer.

     

    Por que ele se negou a jogar?

     

    Garry Kasparov colocou seu ponto de vista no livro “Meus Grandes Predecessores” – Volume 5, página 238.

    “O que aconteceu foi que, trabalhando sempre sozinho, acabou pura e simplesmente não conseguindo se adaptar às novas exigências de preparação, ditadas pela revolução das aberturas. […]

    […] Comparando hipoteticamente as preparações dos pré matches de Fischer e Karpov, convém mencionar não só a vantagem do desafiante na qualidade e quantidade de variantes específicas preparadas, mas também, de modo particular, sua óbvia superioridade na ampla extensão de sua preparação.

    É bem provável que Fischer, com seu apurado faro de xadrez, mesmo antes do match Karpov – Spassky, tenha percebido claramente que uma nova era tinha começado, a qual exigia o abandono do seu método costumeiro de trabalho.

    Fischer via com os seus próprios olhos os frutos da revolução que ele mesmo gerou, e reconhecia muito bem que não era mais possível preparar-se sozinho.

    Convidar assessores? Mas ele sempre trabalhou sozinho, sem confiar nos ajudantes nem mesmo para analisar posições adiadas. […] Para entrar nessa realidade exigia-se um incrível esforço supremo.

    […] Fischer sentia que em uma disputa com Karpov sua preparação poderia não atender às demandas do momento. Vítima de numerosos complexos, acabou num círculo vicioso: quando alguém teme que não vai conseguir se preparar como deve, o medo aumenta ainda mais…

    Em resumo, Fischer não tinha mesmo condições de enfrentar a nova situação, inclusive porque parou de jogar durante muito tempo. Nos tempos de Botvinnik, era possível ficar sem jogar durante três anos e mesmo assim manter o título de Campeão Mundial.

    Mas agora, na época da revolução de aberturas, três anos valiam uma eternidade. Na história moderna do xadrez, os campeões e os desafiantes conseguem inaugurar uma era diferente somente se mantendo como jogadores ativos”.

     

    Fatos concretos

    Enquanto não se sabe ao certo o nível da preparação de Fischer contra Karpov, o lado soviético trabalhava a todo vapor, como revelou Yuri Razuvaev, uma testemunha ocular dos fatos.

    “No início de 1975, foram realizados vários treinamentos com a participação dos melhores especialistas do país. […]

    Contra 1.e4, Karpov iria variar entre 1…e5, 1…c6 e 1…c5 – tanto a Siciliana Paulsen como a Scheveningen. Se previa um match demorado, então Karpov precisava de muitas opções.

    Com as brancas, Karpov supostamente iria jogar tanto 1.e4 como 1.d4. Os soviéticos esperavam a Variante Najdorf na Defesa Siciliana e tinham preparado muito 6.Bg5, além da Índia do Rei, Grunfeld e Benoni contra o peão dama”, afirmou Razuvaev.

    “Todas as aberturas que ele tem para as negras não são boas e por isso ele decidiu cair fora”, afirmou Furman.

    De fato, o repertório de Fischer estava em xeque.

    Fischer poderia resistir à suposta preparação superior de Karpov? Deixe sua opinião nos comentários.

     

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    Texto escrito pelo MF William Ferreira da Cruz

    Referências Bibliográficas:

    Garry Kasparov, “Meus Grandes Predecessores” – Volumes 4 e 5.

    8 Responder para “A Opinião de Kasparov Sobre a Recusa de Fischer em Defender O Título Mundial”

    • Henri

      Muito boa a matéria. Eu acho que Kasparov tinha uma grande parcela de razão, Fischer condenava 1.P4D, Medo, puro medo, ele queira ditar as regras do match também. Por isso não acho o melhor de todos os tempos, está um pouco longe disto.

    • Leandro

      Enfim, todos os parágrafos dizem o que todo mundo já sabe:
      Fischer amarelou. Teve medo. Correu. E o pior nisso:
      Por causa do despreparo contra o grande Karpov.

      Não adiante dizer que não tinha ajudantes, tinha o Evans, o Bob Wade, tinha Larssen ... Fischer não era tão solitário...

      Karpov já longe da sua forma segurou Kasparov, em forma, por 3 matches sem nenhuma derrota de diferença, isso já diz muito o quanto ele estaria bem preparado contra Fischer em 75.
      Americaninho teve medo e Kasparov diz isso muito bem nas entrelinhas.

    • Wágner Tôrres

      Concordo com a análise de GK.
      No xadrez competitivo e numa época de significativo salto qualitativo na preparação os 03 anos de afastamento de Fischer lhe custariam o título mundial. Bobby, como bom conhecedor do xadrez, sabia bem que Karpov significava a vanguarda de uma revolução que se iniciou nos anos 70.

    • Jacques

      Não sou ninguém, mas acho bem equivocada essa interpretação da fuga de Fischer. Embora eu possa estar equivocado também. Mas Fischer respirava xadrez, derrotou o próprio Najdorf. Ele tinha intensos problemas psicológicos que muito tinha a ver com a mãe. Questão relevante era ele provar pra mãe (inconscientemente) que era melhor que os russos, que a mãe idolatrava e seguia a hegemonia no mundo do xadrez. Conseguiu provar seu valor uma vez, depois não foi mais interessante isso. Bastou um momento pra provar à mãe que era melhor que aqueles que ela idolatrava e dominava o mundo do xadrez. À minha singela vista, ele tinha plena capacidade de se preparar e disputar o duelo com karpov. Difícil acreditar que aberturas modernas tenham amedrontado Fischer. Mas é mto difícil acreditar nisso. Parece o ilustre kaspa tentando manter a brilhante hegemonia dominação dos russos no mundo do xadrez, como sempre tenderam a isso.

    • Carlei André Schuh

      somente por conta de toda essa preparação e ajuda dos soviéticos,karpov até que poderia dificultar um pouco...,mas no final o genial Fischer venceria!mais nada a acrescentar...

    • Diêgo

      Vale dizer que ninguém sabe o que o Bobby ficou fazendo nesses 3 anos, pra dizer que ele tava com medo e não tava preparado, Bobby estudava xadrez 24h, com certeza estava preparado pra Karpov e para Kasparov, os 2 iam apanhar pra respeitar o homi, respeitem Bobby até hoje ninguém fez o que ele fez com tantas vitórias seguidas contras Gms, sem falar no que ele fez contra a União soviética antes de chegar no título, ele também tinha passado um tempo sem jogar até que voltou massacrando todo mundo até chegar ao título

    • VINÊRA

      Kasparov com suas palavras visa tirar os méritos do Fischer, pois ambos são considerados os melhores de todos os tempos. Faz muito sentido Kasparov alfinetar o Fischer da forma como foi colocado em seu livro, afinal GK queria e quer ser lembrado como o melhor de todos os tempos.
      Sobre os fatos concretos apresentados pelo Mestre Leitão, de que os russos estavam preparados para Fischer, penso que na primeira vez que Fischer destruiu todo o sistema soviético ele estava sozinho. Como esses "especialistas" afirmam que agora seria diferente? Já estava 1 x 0 pro Fischer e ele não precisava provar nada pra ninguém.
      Garry Kasparov, Yuri Razuvaev e Furman por acaso sozinhos, conseguiram em suas carreiras revolucionar o xadrez assim como Bob Fischer o fez?
      Os "achismos" nos dias de hoje são muitos, mas o fato é que ninguém até hoje conseguiu realizar o feito do Fischer naquela época, nem mesmo GK.
      Em minha opinião, Fischer, além de vencer o sistema soviético no tabuleiro, após sua ausência, venceu também a federação de xadrez ao renunciar ao jogo, ao título e ao prosseguimento de sua carreira... e isso foi bom para o xadrez pois muitas melhorias se concretizaram, graças à sua renúncia e enfrentamento.

      • Rafael Leitão

        Só para deixar claro que o artigo não foi escrito por mim e não representa minha opinião: ele foi escrito pelo MF William Cruz.

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