Campeonato Mundial: Karjakin, o Confiante

     

    Falta menos de um mês para começar o evento mais esperado do mundo enxadrístico. A organização do match para o Campeonato Mundial, que será disputado em Nova York, de 11 a 30 de novembro, vai entrando em sua fase final. E a preparação de Magnus Carlsen e Sergey Karjakin segue “a todo vapor”.

     

    Mas, enquanto o campeão Mundial Carlsen parece ter se retirado consideravelmente dos holofotes, e que para ele não são poucos, Karjakin ainda continua realizando algumas aparições e entrevistas. E o mais interessante: demonstrando uma confiança impressionante. Apesar, claro, do favoritismo de Magnus – e mesmo do jogo psicológico, e inusitado, que já vai cercando o encontro.

     

    Por exemplo: recentemente, muitos enxadristas passaram a relatar um curioso fato. Toda vez que se tentava abrir a página www.sergeykarjakin.com o navegador o direcionava para a página… www.magnuscarlsen.com! A “brincadeira” não escapou à atenção de Karjakin. O grande mestre russo chegou até a comentar, em tom de ironia, em uma conferência de imprensa:

     

    Eu quero falar sobre um episódio engraçado. Não muito tempo atrás, a equipe de Carlsen comprou o domínio sergeykarjakin.com e o fez redirecionar para o seu próprio site. Eu acho que posso abrir um processo para recuperar o domínio. Ou, pelo menos, eu estou considerando isso…

     

    (Nota: O agente de Carlsen, Espen Agdestein, logo depois, declarou que a equipe Carlsen não teria nada a ver com o incidente).

     

    Inclusive, Karjakin deixou bem claro publicamente que a “amizade” entre ele e Carlsen acabou ficando um pouco abalada depois da sua vitória no Torneio de Candidatos:

     

    Depois da minha vitória nos Candidatos, Magnus e eu paramos de conversar no Skype… Não podemos sair juntos para uma discoteca como fazíamos antes!

     

    (Nota da Redação d´Academia: Carlsen e Karjkin justo numa discoteca? O mundo agradece a rivalidade enxadrística que livrou a humanidade destas fortes cenas).

     

    No mais, Karjakin concedeu uma longa entrevista para Anatol Samokhvalov – do jornal russo R-Sport – que transcrevemos a seguir. Nela, Karjakin falou sobre o “instinto assassino” de ambos; os recentes encontros; a importância da abertura; sua misteriosa equipe de preparação; a confiança que possui; os candidatos a presidência dos EUA e muito mais.

     

    Samokhvalov: Carlsen é conhecido por seu instinto assassino.

    Karjakin: Sim, definitivamente.

     

    S: Você está pronto para enfrentar este instinto?

    K: Por que não? Eu também tenho este instinto assassino. Mas você sabe qual é a diferença?

     

    S: Qual?

    K: No meu caso, este instinto assassino só é apresentado no xadrez. Com ele [Carlsen] é para todos os aspectos da sua vida.

     

    S: Sim?

    K: Sim. O seu comportamento mostra que ele quer ganhar em todos os esportes que joga. Futebol, cartas ou qualquer outra coisa. Quando ele perde, ele fica irritado. Do meu ponto de vista, eu tenho uma variante preferível deste instinto, pois tento ganhar quando é importante, enquanto ele faz isso independentemente de se é importante ou não.

     

    S: Você não gostaria de ganhar quando você joga cartas?

    K: É engraçado. Simplesmente eu não jogo essas coisas, mas sim o futebol ou tênis… Eu quero ganhar, mas o fim não é tão importante para mim.

     

    S: Mas o que é mais importante do que marcar um gol no outro time? Ou uma empolgante jogada?

    K: No futebol, o que me interessa é apreciar e melhorar minha forma física.

     

    S: E quando você desenvolveu este tal instinto assassino?

    K: Há muito tempo, na minha infância. Em uma ocasião, passei três dias de viagem de Kiev a Grécia para o Europeu Sub-10. Eu tinha nove anos. A viagem foi bastante difícil e quando eu desci do ônibus já me colocaram diante do tabuleiro. Eu estava tão exausto que eu dei uma peça no movimento 10 e perdi. A partida daí eu precisava de 8 vitórias em 8 partidas para vencer o torneio. E assim eu fiz. Na minha carreira eu ganhei vários jogos decisivos e eu fui capaz de fazer isso graças ao que eu aprendi na minha infância.

     

    S: Você parecia estar de muito bom humor antes do match contra os EUA nas Olimpíadas. Em que o seu bom humor se baseia? Você não tem nada a perder?

    K: Não, eu não posso fingir que o resultado da partida não é muito importante para mim. Quero vencer e trazer de volta a coroa para a Rússia. Não é de se admirar, portanto, que meus patrocinadores, treinadores e eu, estejamos trabalhando tão duro. Claro que vou tentar ganhar, mas, de um ponto de vista psicológico, é mais difícil para ele defender o título. Todo mundo espera que ele alcance a vitória, mas talvez não seja assim tão fácil de obtê-la. Carlsen vai ter que trabalhar duro durante o match e ver de que maneira se sai. Se eu ficar em boa forma, eu vou ter muitas chances de sucesso.

     

    S: É a segunda vez que ouço você falar de “boa forma” ou “a melhor forma”. Como se sente ao estar na melhor forma?

    K: Claro que depende e existem muitos fatores que entram em jogo. E alguma sorte. Se meu oponente me permite na abertura jogar uma variante em que eu tenho uma bomba surpresa, aí, é ver como que esta bomba explode e se eu posso ganhar o jogo. Nesse caso, você poderia dizer que eu estou no meu melhor. Ou talvez se possa dizer que apenas tive sorte. A melhor maneira nem sempre é visível a partir de dentro. Portanto, é mais importante adivinhar onde me levará Carlsen, a que aberturas, e onde tentará me pegar. Vai ser uma batalha de nervos e acontecerá, principalmente, atrás do tabuleiro, nos bastidores.

     

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    “Na minha carreira eu ganhei vários jogos decisivos e eu fui capaz de fazer isso graças ao que eu aprendi na minha infância.”

     

     

    S: Então, você está colocando a ênfase na abertura? Essa não é a área preferida de Carlsen…

    K: A base de todas as partidas é a abertura. Desde a infância, eu fui ensinado a lutar pela vantagem na abertura. Mas, ao longo do tempo, esta ênfase mudou. Há muito tempo, os jogadores de xadrez queriam ter uma “grande vantagem” com as brancas, em vez de se sair apenas “um pouco melhor”. Logo depois, “um pouco melhor” tornou-se marca de sucesso na abertura de brancas. Agora é considerado bom simplesmente obter uma posição jogável e com algo que você tenha estudado um pouco mais do que seu oponente. Portanto, ganhar um jogo na abertura é quase impossível e sempre vai haver algum tipo de luta.

     

    S: Como vocês estão preparados para um jogo agressivo e cheio de complicações?

    K: Eu não considero Magnus um jogador de xadrez agressivo em termos de estilo. O que quero dizer é que ele pode ser mentalmente agressivo, ele quer ganhar, mas muitas vezes tenta fazer no final, com um jogo seco e posicional. Os golpes táticos entram em suas partidas apenas quando eles são essenciais. Carlsen joga estritamente de acordo com a posição. Não é, por exemplo, como Mikhail Tal, que costumava sacrificar e procurar posições malucas. Magnus é mais equilibrado.

     

    S: Do seu ponto de vista, enquanto seu rival, qual a atual forma de Magnus?

    K: Um match para o Campeonato Mundial é um torneio tão especial que a forma não é tão importante. O importante é como se preparar para a partida e não apenas no que tem a ver com o xadrez, mas também em questões psicológicas. Será interessante ver se a necessidade de vencer o match irá colocar pressão nele ou não. Mas essas são coisas que ele deve se questionar, ao passo que eu só posso dizer que não vai ser fácil.

     

    S: Levon Aronian também me disse que não vale a pena superestimar o fator forma antes de um match para o título mundial. Viswanathan Anand coroou-se campeão do mundo depois de entrar na disputa em um estado terrível.

    K: É verdade, embora a forma de Carlsen, de qualquer maneira, deva ser analisada. Ele jogou muitas vezes nas Olimpíadas e em Bilbao. O desafio é encontrar alguns vazios, essas características estilísticas que poderiam ser exploradas ou, pelo contrário, aquilo que ele evitou durante as partidas. Este trabalho não está visível para os espectadores, mas nós o estamos fazendo.

     

    S: E vocês encontraram estes “vazios noruegueses”, em julho, em Bilbao?

    K: Claro. Mesmo o simples fato de ter perdido para ele, apesar de ter alcançado uma boa posição, me obriga a considerar o que eu fiz de errado e com o que eu deveria me preocupar.

     

    S: Mas eles [seus treinadores] devem ter encontrado as respostas a estas perguntas, aparentemente.

    K: Temos a conclusões, mas a análise continua.

     

    S: Não foi o torneio de Bilbao perigoso para você? Considerando que Carlsen ganhou com 17 pontos e você somou apenas 9? Talvez você poderia ter evitado isso…

    K: Mas não aconteceu nada de horrível lá. Ganhei experiência, joguei dois jogos contra Magnus, perdi um, mas eu mostrei ao mundo não ter medo de entrar em uma batalha aberta contra Carlsen. Muitos me aconselharam a não participar, mas eu não vejo que o resultado tenha sido trágico.

     

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    “Vai ser uma batalha de nervos e acontecerá, principalmente, atrás do tabuleiro, nos bastidores.”

     

    S: Mas não te deu calafrios?

    K: Não, é o de sempre. A coisa mais importante é o que vai acontecer em Nova York. Devemos lembrar Viswanathan Anand, que antes de ganhar seu jogo contra Veselin Topalov [provavelmente Karjakin quis dizer Vladimir Kramnik], também sofreu uma derrota em Bilbao. Além disso, em Bilbao ele perdeu para Topalov [Kramnik] em um jogo terrível. Vishy foi esmagado. Você vê a tradição? Acabo de perder uma partida contra Magnus.

     

    S: O Vice-Presidente da Federação de Xadrez de Moscou, o GM Sergey Smagin, disse a R-Sport que você terá sucesso nos EUA apenas se mostrar “o mais alto nível de sua vida.” Qual é “o mais alto nível de sua vida”?

    K: Eu acho que se Carlsen quer me vencer, ele que precisará mostrar o melhor nível de sua vida. Na verdade, tudo é subjetivo, pois para ganhar pode ser o suficiente você pegar o seu adversário em algumas sutilezas. Às vezes, é o suficiente ganhar do seu adversário em um único jogo e, então, ele fica nervoso, embora a duração de 12 partidas torne possível a recuperação.

     

    S: Você não apresentará sua equipe completa de treinadores?

    K: Não, eu quero manter minhas poucas surpresas, mas minha equipe é grande e inclui tanto pessoas conectadas com o xadrez como pessoas desligadas dele. Antes de nossa conversa, eu liguei para meu médico, com quem estou trabalhando muito a sério.

     

    S: E qual é a especialidade do seu médico?

    K: É um massagista, que também vai acompanhar-me durante o match. Conto com a sua ajuda não-enxadrística.

     

    S: É difícil imaginar você sem seus treinadores Yury Dokhoian e Vladimir Potkin.

    K: uma equipe vencedora não se altera, portanto, ficamos juntos.

     

    S: Você também trabalhou com o grande mestre Azeri Shakhriyar Mamedyarov.

    K: E continuamos a trabalhar. Eu não sei se ele me ajudará diretamente dos EUA ou à distância, mas irá me ajudar de alguma forma. Shakhriyar introduziu alguma agressividade ao meu jogo, porque o meu estilo era mais acadêmico do que o necessário para vencer os melhores jogadores do mundo. Ele deu um pouco de “pimenta” ao meu jogo, pois Mamedyarov é um jogador muito agressivo e dinâmico. No Torneio de Candidatos, em Moscou, eu sacrifiquei uma dama e uma torre, e não tive medo de fazer sacrifícios menores, como um peão. Essa foi a influência de Mamedyarov. A agressividade me ajudou a vencer daquela vez e espero ajudar-me novamente na América.

     

    S: A cooperação que vocês estão tendo para o match impediu Mamedyarov de fazer um bom torneio no Memorial Tal?

    K: Talvez, embora a primeira vez que ele disputou o Memorial Tal, Shakhriyar jogou o torneio mais chato de sua carreira: ele obteve nove empates. Desta vez, pelo menos, ganhou dois jogos, mas também perdeu dois. Ele assumiu riscos e contra Anand sacrificou uma peça.

     

    S: O vencedor do Memorial Tal, Ian Nepomniachtchi, também já trabalhou com você. O que você conseguiu com essa experiência?

    K: Ian está apenas começando a estudar mais xadrez e parando de desperdiçar o seu tempo com jogos cibernéticos e outras coisas que talvez o distraísse antes. Dado o quão talentoso ele é, os resultados vieram rapidamente. Não vou falar de coisas puramente enxadrísticas que estudamos juntos, mas ele é um grande colega de trabalho, disso eu tenho certeza. Ian tem a mesma idade que Magnus e eu, por isso, é sempre divertido e isso ajuda.

     

    S: Você ainda não está trabalhando no fuso-horário dos EUA?

    K: É um pouco cedo. Nós nos mudamos para um novo fuso em Miami, desde 17 de Outubro. Vinte dias na costa dos EUA deve ser suficiente para se acostumar. Em geral, os Estados Unidos são, evidentemente, interessante. Não importa o que você pensa, é um grande país. Minha esposa foi para Nova York para a inspeção do match e disse que gostou da organização do evento, mas não da cidade de Nova York. Por isso, gostaria de saber qual as impressões me deixarão esta cidade e Miami.

     

    S: Ilyumzhinov disse que irá convidar o presidente dos EUA, Barack Obama, e os candidatos atuais, Hillary Clinton e Donald Trump.

    K: Se todos forem, vai ser muito divertido, mas acho que não seja muito provável que aconteça.

     

     

    S: Com qual deles você gostaria de falar?

    K: Com Trump. Eu acho que é o que é mais louco! Seria divertido para falar com ele.

     

    S: O que você perguntaria?

    K: Se ele joga xadrez e se o xadrez o ajudou em seu sucesso como empresário.

     

    S: Nada provocativo?

    K: Talvez se não houvesse jornalistas presentes eu perguntasse outra coisa… Mas com os repórteres, apenas sobre xadrez. Afinal de contas, eu não só estou representando os meus interesses, mas também os do xadrez, e acredito que a presença de qualquer chefe de estado, ou outra figura influente, será benéfico para o nosso esporte.

     

    S: você irá trazer o caviar preto que o ajudou no Torneio dos Candidatos para Miami e Nova York?

    K: É proibido transportar. Se fosse permitido, eu levaria.

     

    S: Não são vendidos no free shop?

    K: Pelo que eu sei, quando você vem para os Estados Unidos, eles perguntam para você: “Você está levando qualquer produto alimentar?” Vou verificar.

     

    S: Então, talvez você tenha que jogar sem seu grande pote de caviar do qual você falou no torneio de Moscou.

    K: Talvez eu não possa levá-lo. Mas é verdade que, pelo menos parcialmente, ele me ajudou a obter um match para disputar a coroa.

     

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    Muita confiança? Ou realista? Saberemos em Novembro…

     

    FONTE

    Chess 24

     

    Escrito por Equipe Academia de Xadrez Rafael Leitão 14-10-2016

    2 Responder para “Campeonato Mundial: Karjakin, o Confiante”

    • Anderson Costa

      Eu penso, que existem jogadores que crescem em matches, em torneios ele não se dá muito bem, mas, no candidatos mostrou força neste formato(sabendo quais seriam seus adversários) tudo bem programado e venceu com méritos,acho que ele vai crescer,mas, ganhar vai ser difícil!

    • Leandro

      Vi um "se eu ficar em boa forma....", existe esse SE faltando menos de um mês pro match?
      Numa hora dessa ele tem de tá tinindo, senão Magnus vai dar peça e lance pra ele e ainda vai dar de lavada.
      (interessante a comparação com Tal, como será que ele notou que Magnus não se parece com Tal?)

      Tô torcendo pro russo, ele deve tá pegando ideias com Kramnik (se não tiver, então já tá perdido). Kramnik, mesmo em má forma, é o único que ainda consegue vencer Magnus num match.
      Creio que Karjakin vai levar o match equilibrado cheio de empates e esperar a milimétrica vantagem, estilo Kramnik.

      Ele é muito frio, estilo dos russos.... Tô esperando um tie-break aí nesse match
      :)

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