Afora toda a ciência, os cálculos, as religiões e as profecias, primeiramente, já deixamos a ressalva que a Redação da Academia ACERTOU o resultado de quem seria o grande Campeão da Copa do Mundo – e se você duvida, veja aqui. Atravessamos perigosamente a corda-bamba das superstições, além dos abismos insondáveis dos mistérios universais da física, e até da metafísica, mas, noutras bem postas palavras, cravamos a ferro e fogo, no dia 30/09/2015, que “Final: Svidler merece ganhar. Mas vai dar KARJAKIN”. E assim foi. O resto é história. Mas que história!
De quando começamos esta cobertura (mais de 10 reportagens – além dos textos de próprio punho do nosso GM Rafael Leitão), de tudo um pouco foi evocado – como já suposto lá em cima. Entretanto, mais uma vez, profecia ou não, em nossa notícia anterior, evocamos a figura mitológica de Rocky Balboa (encarnado pelo shakespeariano Sylvester Stallone). Pedimos licença e repetimos a dose. Os fatos não mentem.
Há aqueles que tenham visto hoje, nas partidas rápidas da final da Copa do Mundo, um xadrez muito aquém do costumeiro aos tops de 2700, e o que não é mentira, mas, por conta disso, tenha exaltado, ou esbravejado aos quatro ventos, a humanidade e a bestialidade dos finalistas – e daí advém toda a simbologia criada em torno do termo popularizado por nós, aqui na Academia, de uma espécie enxadrística consagrada: “homo enxadristus hydrochoerus hydrochaeris”. Mas, mais uma vez lembrando a matéria de ontem, esta final foi muito além da questão técnica.
Svilder jogou, ao todo, somando pensadas e rápidas, nesta Copa do Mundo, 30 partidas; Karjakin 36 (!). Entre a emoção evidente e o desgaste mais do que claro, difícil colocar na balança, simplesmente, o que se condena e o que se salva. Até mesmo nós, aqui da Redação da Academia, sentimos o cansaço abater nosso corpo moribundo – vários estagiários pediram as contas e foram trabalhar no concorrente, o honesto ChessBase (alegaram que estavam precisando de algo mais monótono, simples, mais caseiro mesmo. Nós entendemos, claro). Até mesmo esta última notícia – escrita em sangue, suor e lágrimas – já vai falhando e mal consegue tirar alguma verborragia caótica da cartola. Mas respiremos fundos e vamos às partidas.
Depois da reviravolta no match (2-0 de Svidler e recuperação de Karjakin em 2-2), não poderíamos esperar menos das partidas rápidas. Na primeira, de brancas, Karjakin até conseguiu vantagem material, mas a atividade do par de bispos de Karjakin lhe dava boa compensação – e, posteriormente, até mesmo a recuperação do material. Mas, Svidler, próximo do final, pendurou um peão e, mesmo depois, entrando num final de bispos de cores opostas, aparentemente defensável, cometeu mais um erro e cedeu o ponto a Karjakin. 1-0.
Na segunda partida, depois de mais um Ataque Índio do Rei, Svidler jogou de maneira firme e conseguiu um final muito superior – cavalo bem colocado, torre ativa, rei ativo, fraqueza na estrutura de peões do adversário (um pobre e muito avançado peão em d4). Por fim, depois de perder uma qualidade, Karjakin ainda pendurou a peça. 1-1. E Svidler continua, portanto, dando seus pontapés – embora Karjakin seguisse muito mais confortável em relação aos apuros (mesmo quando pior, jogando, aparentemente, mais rápido).
Na terceira Karjakin fugiu, sem pudores, das principais lindas da Defesa Benoni – mas não sem pagar um caro preço: ficou inferior já na abertura e no lance 23, numa combinação simples, pendurou candidamente uma peça. Vitória de Svidler, 2-1 (!), mas… Karjakin jogou até o lance 40…
Na quarta Svidler repetiu a combinação de Bb5 e Dxd4 contra a Siciliana, mas acabou pendurando alguns peões na ala da dama e centro. Na posição final, com dois peões a menos, ele abandonou. Lance 27… marcador 2-2.
Sabe-se lá o que já está passando na cabeça dos jogadores esta hora: Karjakin permitiu, se Svidler quisesse, entrar no gambito Marshall, na Ruy Lopez. E Svidler entrou. O delírio impera nestas horas. Na quinta partida as negras conseguiram excelente posição pelo material sacrificado (dois peões). E, em seguida, mais uma sequência de “golpes” que ambos devem esquecer. O final resultante, com qualidade a mais de Svidler, e ainda Damas no tabuleiro, deveria ser o fim para Karjakin. Mas… Svidler deu a torre inteira, limpa, sem mais, depois dela haver sido atacada. 42… Rg8 será um lance difícil de esquecer para Svidler.
Nesta hora, de forma muito nítida, não foi outra a cena que veio à nossa mente que não o célebre final de Rock II – entre Rocky Balboa e Apollo, o doutrinador (e existe nome mais legal que “Apollo, o doutrinador”?). Difícil explicar em palavras, mas num exercício cognitivo, busque o leitor suas tardes recheadas de “Sessão da Tarde” e encontre em sua lembrança àquela inefável “trocação” de socos entre Rocky e Apollo. Se não conseguiu, tente esteexercício cognitivo. Também funciona (e dublado, claro, para ficarmos mais verossímil com a “Sessão da tarde”). Ambos os lutadores exauridos, mortos, exaustos, caindo um sobre o outro. Não estavam mais trocando socos, mas ideias de socos, desejos de socos. Ambos caem. Quem se levantará? Ambos titubeiam, Apollo ainda mais e, num esforço final, Rocky se levanta. Apollo cai. Fim da luta. Rocky Balboa, o garanhão italiano, o “Campeão dos Campeões”. 5-4.
Ainda tivemos a sexta partida, claro, em que Svidler até quase conseguiu a reação, mas, na verdade, ali foi só o último suspiro de Apollo. Rocky, Karjakin, já estava de pé – Svidler já havia caído e nem mesmo visto. Mais uma vitória de Karjakin. 6-4. Karjakin, o “Campeão dos Campeões”.
E assim termina essa longa e emocionante Copa do Mundo de Xadrez. Nem a ciência e nem a religião: vitória do Xadrez.
Escrito por Equipe Academia de Xadrez Rafael Leitão 05.10.2015.
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