Terminou ontem um dos mais importantes torneios abertos disputados no Brasil – o “Floripa Chess Open”, que contou com a participação de cerca de 300 enxadristas de vários países, incluindo até mesmo um participante da Rússia. Atualmente, o único “rival” para este evento é o torneio em Caxias do Sul, que acontecerá em breve.
Uma pena que a tão discutida coincidência de datas com a Final do Campeonato Brasileiro tenha impedido a participação de alguns enxadristas e dividido as atenções do torneio, ao menos no início. Mesmo assim, isso não evitou que o Campeão Brasileiro, Krikor Mekhitarian, um fanático por xadrez e sempre ávido por torneios, disputasse a prova, iniciando com dois “byes ausentes” (meio ponto em cada um), pegando um avião no mesmo dia da última rodada do Brasileiro (tudo bem que ele não cansou tanto na partida, afinal ganhou por W.O) e jogasse uma partida no mesmo dia, à noite. Provavelmente o cansaço dessa maratona pesou um pouco para o Krikor no final da competição.
A organização do torneio, a julgar pelos relatos na internet e também pelo nível de comprometimento e competência dos principais organizadores (Pomar e Kaiser), ambos apaixonados por xadrez e sempre empenhados em conseguir as melhores condições possíveis, esteve impecável. As fotos do salão de jogos – vistas principalmente nas redes sociais de alguns dos participantes – impressionam. Também as redes sociais mostraram como deve ser difícil jogar xadrez em uma cidade tão bonita quanto Florianópolis, especialmente no verão. Vários enxadristas, ao que parece, aproveitaram para se refrescar nas praias durante as manhãs – felizmente as rodadas eram à tarde e à noite, sempre uma alegria para os participantes.
O formato do torneio também é altamente elogiável e ideal para que os jogadores tenham chances de normas. São jogadas 10 partidas e é mesmo fundamental que o torneio seja longo, em razão do grande número de inscritos. Isso proporciona mais chances de enfrentamento com jogadores de rating alto, além de dar mais credibilidade para o resultado final do evento.
É de se destacar a participação de várias enxadristas (o xadrez feminino é particularmente forte no sul do país) e de algumas jovens promessas do xadrez brasileiro. Claro que todas as atenções foram atraídas pelo espetacular desempenho de Luís Paulo Supi, de quem falaremos em mais detalhes mais tarde. Mas também o Campeão Brasileiro Juvenil, Vítor Carneiro, enxadrista extremamente dedicado, mostrou que está evoluindo a passos rápidos. Vítor conquistou uma importante vitória contra Bachmann na última rodada. Muitos outros jovens encontraram a chance de medir forças com alguns fortes enxadristas durante o torneio. Espero que não tarde o momento em que esses jogadores tenham a oportunidade de disputar também a Final do Campeonato Brasileiro e, quem sabe, participarem da equipe olímpica brasileira. Temos uma safra de talentosos enxadristas, mas precisamos lutar para que continuem disputando torneios e com a ambição de se tornarem grandes mestres, o que só pode ser conseguido se aumentarmos o investimento no xadrez em nosso país.
Um dos objetivos deste grande festival era oferecer a chance de normas de mestre ou grande mestre. E, também nesse aspecto, o torneio foi um sucesso. O conhecido professor MF Álvaro Aranho conseguiu sua primeira norma de mestre internacional, jogando um excelente torneio. Todos estávamos torcendo por ele, um eterno apaixonado pelo jogo. Álvaro, para quem não sabe, treinou e treina muitas das promessas do nosso xadrez e tem certamente uma das maiores bibliotecas enxadrísticas do país. Sempre que nos encontramos durante as Olimpíadas vejo ele voltando com, no mínimo, 10 livros novos para casa.
A norma de grande mestre foi alcançada pelo talentosíssimo enxadrista MI Luís Paulo Supi, de 19 anos. Supi, que já é MI desde 2013, jogou um torneio espetacular, mostrando seu estilo de jogo agressivo, sempre lutando pela iniciativa. Torço para que ele consiga o apoio necessário para continuar como um profissional de xadrez, pois certamente ele será um grande mestre e futuro participante da equipe olímpica brasileira. Durante o torneio ele jogou algumas partidas sensacionais e sempre esteve na parte de cima da tabela – vejamos aqui sua inspirada vitória contra El Debs, um dos mais sólidos grandes mestres brasileiros [ veja a partida ]. Supi começou com 6 em 6 e lutou pelo título do torneio até o final. Com a norma de GM, o quarto lugar e mais 21 pontos de rating na bagagem, o jovem enxadrista guardará para sempre boas lembranças de Floripa.
Mas o evento foi dominado pelo lendário Julio Granda. Já não temos mais adjetivos para o grande mestre peruano, que mesmo com 48 anos parece não ter limites para sua energia. Granda disputa torneios sem parar, está chegando a 2700 jogando quase que apenas abertos e certamente é um dos maiores vencedores de competições em todo o mundo. Além disso, quando mede forças com super gms tem resultados admiráveis – basta mencionarmos suas campanhas nas duas últimas Copas do Mundo. Além disso, Julio, que é um fanático por futebol, encontra tempo para “bater uma bola” sempre que possível – certamente ele o fez durante o torneio. Na Olimpíada de Tromso, 2014, jogava quase todos os dias. Tive a oportunidade de jogar com ele (falo de futebol, da época que eu ainda me arriscava nessa obsoleta prática) e posso atestar que é tão incansável nos gramados (ou quadras ou areias) quanto é nos tabuleiros. De fato, ele já mencionou para mim que por algum motivo estranho ele não se cansa e pode correr o quanto for necessário. Mais um singular talento deste gênio que era um dos melhores enxadristas do mundo na década de 90, antes de misteriosamente parar de jogar por alguns anos. Estamos presenciando uma segunda juventude deste notável enxadrista.
Granda esteve em sérios apuros em sua partida da quinta rodada, contra no GM Everaldo Matsuura. Em um determinado momento a posição do brasileiro era ganha. [ Veja a partida ]. Com a sua idade seria de se esperar que cansasse ao final do torneio, mas não foi isso que aconteceu. Julio venceu várias partidas importantes justamente nessa hora – destaque para suas vitórias contra Supi e Neuris, fundamentais para o resultado final.
Uma pena apenas que as partidas não estavam disponíveis ao vivo (pelo menos eu não encontrei), mas isso depende de um maior investimento da Confederação e das Federações como um todo. Espero que chegue o dia que teremos os dez primeiros tabuleiros transmitidos ao vivo para a internet. Um torneio como esse merece!
Destaco também as boas campanhas do GM Neuris Delgado (vice-campeão) muito regular em torneios abertos , do El Debs, que terminou em 3º lugar e do Diego di Berardino (5º lugar). Diego está chegando a 2520 e deve se dedicar em 2016 à obtenção do título de GM. Xadrez para isso ele tem – não há dúvida que joga em nível de GM.
Parabéns para o Pomar, o Kaiser e todos os responsáveis pela organização desse extraordinário torneio. Espero que a tradição continue por muitos anos e que, finalmente, eu possa participar da edição de 2017!
Classificação final:
- Julio Granda 8,5 pts
- Neuris Delgado 8 pts
- Felipe El Debs 8 pts
- Luis Paulo Supi 8 pts
- Diego di Berardino 8 pts
Fotos: Facebook.
Diz o GM: "Espero que chegue o dia que teremos os dez primeiros tabuleiros transmitidos ao vivo para a internet. Um torneio como esse merece!".
A capivarada de plantão também está ávida pela chegada desse dia! :)