Grandes Enxadristas: a História de Samuel Reshevsky

    Samuel Reshevsky nasceu no ano de 1911 em Ozorkov, na Polônia. Aprendeu a jogar xadrez aos cinco anos, quando observava partidas entre seus familiares. Durante uma partida de seu pai com um amigo, pediu para continuar uma posição em que o progenitor estava prestes a abandonar. Para a surpresa dos dois adultos, o pequeno Reshevsky virou o jogo “perdido” e venceu a disputa.

     

    O menino prodígio

    Em pouco tempo o garotinho vencera todos os oponentes da cidade natal. Seu pai então decidiu levá-lo para a cidade de Lodz, um importante centro enxadrístico do início do século XX. Neste local, Reshevsky venceu o mestre George Salwe, além de realizar uma simultânea contra 20 ou 25 adultos.

    O menino Reshevsky em exibição

     

    Finalmente, em 1917, com apenas seis anos, Reshevsky chegou a capital Varsóvia com status de grande jogador. Até mesmo o famoso mestre Akiba Rubinstein demonstrou empatia pelo menino e ambos disputaram uma partida. O lendário Rubinstein jogou com as peças negras e com os olhos vendados. Após vencer em 24 lances, afirmou para a criança: “Um dia você será campeão mundial!”.

    Felizes com o desempenho do filho, a família Reshevsky viajou por toda Polônia e o garoto fazia exibições por onde passava. Em 1920, os pais resolveram cruzar fronteiras e Samuel Reshevsky realizou simultâneas em Berlim, Viena, Paris, Londres, entre outras cidades.

     

    Reshevsky em Berlim

     

    Na simultânea de Amsterdã, Reshevsky venceu 17 partidas, empatou duas e perdeu apenas uma, para ninguém menos do que Max Euwe! Quando Euwe ganhou uma peça no 15º lance, gentilmente, ofereceu empate. No entanto, o garoto respondeu: “quero ganhar!” – acabou derrotado.

    O prodígio não chamava a atenção apenas do público amante do xadrez, mas também de políticos e psicólogos. Estes últimos tentavam entender como um garoto tão novo era capaz de tamanhos feitos. Mas o fato é que ninguém conseguia responder tal pergunta de forma satisfatória. Mais tarde, Samuel (também conhecido por Sammy) explicou o que sentia nessa fase da vida: “As jogadas corretas apareciam, de forma instantânea, tão natural como respirar. Era um dilema tentar explicar minhas capacidades enxadrísticas”.

    Por fim, no final de 1920, a família Reshevsky desembarcou nos Estados Unidos. Sammy encontrou-se com o campeão americano, Frank Marshall, além de outros enxadristas renomados. O garoto cruzou o país em exibições. Destaque para o evento realizado na Filadélfia, que totalizou um público de três mil pessoas. De fato, o garoto de 10 anos contribuiu para o aumento do interesse no xadrez nos Estados Unidos.

    Em 1922, Samuel Reshevsky disputou seu primeiro super torneio. O resultado foi modesto, porém, destaca-se sua vitória sobre o famoso mestre David Janowski. “Foi um dos dias mais felizes da minha vida!”, recordou anos depois do duelo.

    Depois disso a família Reshevsky colocou um fim nas aventuras enxadrísticas de Sammy. Afinal, o garoto já tinha 12 anos e nunca tinha ido à escola. Reshevsky se estabeleceu nos Estados Unidos e dedicou-se aos estudos. O prodígio teve sua reputação esquecida e conseguiu ter uma vida normal. Formou-se em contabilidade e retornou para os tabuleiros aos 20 anos.

     

    Carreira profissional

    Samuel Reshevsky retornou aos tabuleiros no início da década de 1930 e se consolidou na elite mundial. Enquanto Euwe x Alekhine disputavam o título mundial, já estava claro que o próximo campeão seria uns dos jovens: Samuel Reshevsky, Reuben Fine, Mikhail Botvinnik ou Paul Keres.

     

     

    Sammy x Botvinnik: durante algum tempo, Reshevsky foi o único a ameaçar a supremacia soviética

     

    No fortíssimo Torneio de Avro de 1938, o campeão ganharia o direito de enfrentar Alekhine. Reshevsky, porém, começou com 0.5 em 4. No fim, o enxadrista se recuperou e não perdeu mais. A classificação ficou da seguinte forma: 1º Keres e Fine com 8.5 em 14; 3º Botvinnik 7.5; 4º Euwe, Reshevsky e Alekhine com 7 pontos, 7º Capablanca com 6 pontos e 8º Flohr 4.5.

    A II Guerra Mundial (1939-1945) e a morte do campeão mundial Alekhine (1946), mudaram o cenário drasticamente. Samuel Reshevsky venceu em sete ocasiões o Campeonato dos Estados Unidos e, após a ausência de Fine, seria o único representante da América no match torneio de 1948 para definir o novo campeão do mundo.

    Após dois de cinco turnos, Botvinnik (U.R.S.S) liderava com seis pontos, Reshevsky (Estados Unidos) vinha na sequência com 4.5, Keres (U.R.S.S)  e Smyslov (U.R.S.S) com 4 e Euwe (Holanda) com 1.5. Aqui se inicia a clássica acusação de entrega de pontos entre os jogadores soviéticos para evitar o título do americano. Verdade ou não, o fato foi que Botvinnik terminou o torneio com 14 em 25, Smyslov 11, Keres e Reshevsky 10.5 e Euwe 4.

     

     

    Em 1950 foi realizado em Budapeste, na Hungria, o primeiro Torneio de Candidatos da história. Como disputou o match torneio de 1948, Reshevsky foi convidado para o torneio. Porém, o enxadrista dos Estados Unidos não participou do evento devido a problemas com o Departamento de Estado, pois este havia decretado que cidadãos americanos não deveriam viajar à Hungria – liderada por Mátyás Rákosi, que demonstrava fiel lealdade a Stalin.

    Contudo, anos depois Reshevsky negou essa hipótese: “Não tive problemas com o Departamento de Estado. Não joguei porque não quis viajar até Budapeste”, afirmou.

    Samuel Reshevsky lutou pelo título mundial no Torneio de Candidatos em Zurique, 1953. Há apenas oito rodadas do fim, Sammy dividia a primeira colocação com Smyslov, colocando em risco a supremacia soviética. No entanto, a derrota para Geller e o empate com Kotov eliminaram as chances reais de título. Smyslov acabou com 18 pontos em 30 rodadas. Reshevsky, Bronstein e Paul Keres fizeram 16 pontos em um dos torneios mais fantásticos da história.

    Reshevsky rejeitou os próximos ciclos dos Torneios de Candidatos e não participou dos Interzonais. Ainda assim, manteve sua reputação como melhor jogador da América até o surgimento de Fischer. De todo modo, em 1961 Fischer e Reshevsky disputaram um match e o placar foi de 5.5 x 5.5, com Fischer se recusando a disputar a última partida.  “Perdeu a confiança em si mesmo”, justificou Sammy para o fim repentino do match.

     

    Reshevsky x Fischer

     

    Em 1968, Reshevsky lutou pela última vez em um Torneio de Candidatos. O veterano enxadrista, porém, perdeu de 5.5 x 2.5 para Viktor Korchnoi nas quartas de final. Ainda em 1970, mais uma tentativa no Interzonal Palma de Mallorca. Sammy foi o 17º entre 24 jogadores. Em 1973, disputou seu último Interzonal, em Petrópolis, no Brasil. Terminou na 11º posição entre 18 jogadores.

    Mas esse torneio não representou o fim da carreira de Samuel Reshevsky. Mesmo com uma idade avançada, o enxadrista continuou muito ativo durante o final dos anos 1970 e 1980. Já em 1991, aos 80 anos, disputou um match em Moscou contra Smyslov (de 70 anos) e empatou em 2×2. Meses depois, o coração de Samuel Reshevsky parou de bater.

    Morphy, Reshevsky, Marshall, Fischer, Fine, Kamsky, Nakamura, Caruana, Wesley So, entre outros: qual é o seu top cinco dos grandes enxadristas dos Estados Unidos? Deixe sua opinião nos comentários.

     

    Referências Bibliográficas:

    Meus Grandes Predecessores, volume 4 – Garry Kasparov

    Rei Branco e Rainha Vermelha – Daniel Johnson

     

    Gostou do artigo? Então compartilhe nas redes sociais.

    6 Responder para “Grandes Enxadristas: a História de Samuel Reshevsky”

    • Marcone Fiuza

      TOP 5 EUA
      1 - Fischer
      2 - Morphy
      3 - Caruana ( acredito que ainda será campeão mundial)
      4 - Reshevsky
      5 - Kamsky

    • JÔNATAS

      Excelente artigo.

    • Luis

      Complicada a referência que os russos poderiam ter entregue pontos entre si, pois nenhum russo ficou com menos pontos que Reshevsky. "Aqui se inicia a clássica acusação de entrega de pontos entre os jogadores soviéticos para evitar o título do americano. Verdade ou não, o fato foi que Botvinnik terminou o torneio com 14 em 25, Smyslov 11, Keres e Reshevsky 10.5 e Euwe 4". Se algum russo estivesse atrás de Reshevsky a teoria da conspiração poderia ter até alguma lógica. Mas qualquer resultado diferente entre os russos não teria como Reshevsky ficar a frente, é matemático, pois nenhum está atrás. Mas o artigo esta excelente, parabéns. Era época de guerra fria e caia bem uma teoria assim.

      • Rafael Leitão

        Obrigado pelo elogio. O artigo foi escrito pelo redator do site (MF William Cruz), mas deixo aqui uma informação importante: a entrega de pontos e resultados acordados entre os russos não é uma teoria, é um fato e está documentado em inúmeros relatos, desde as memórias de Bronstein, livros como Russos x Fischer etc. Os soviéticos usaram resultados acordados em diversos torneios, o mais notório deles foi Zurich 53, quando em um momento Reshevsky tinha sérias chances de lutar pelo título. Bobby Fischer foi um crítico a esse sistema de Torneio de Candidatos que favorecia esse tipo de estratégia, tanto que o sistema mudou para matches no meio da década de 60.

        • Marco

          Brilhante.

    • Nelson esteves

      Meus favoritos: Fischer, Capablanca e Petrosian.

    Deixe uma Resposta