Segundo as leis da FIDE, os jogadores são proibidos de consultar qualquer tipo de fonte de informação, pegar conselhos com outros enxadristas ou ainda analisar a posição em outro tabuleiro. Até aqui nenhuma novidade, porém, imagine que você está em um torneio e após uns 10, 15 lances a partida vizinha está na mesma posição que a sua. Quem não ficaria curioso e não daria uma espiada na partida gêmea ao lado?
Shirov e Karjakin pensam exatamente na mesma posição
Essa situação bizarra aconteceu no FIDE Grand Swiss, realizado em Isle Of Man, e que classificou o campeão (Wang Hao) para o Torneio de Candidatos. Na oitava rodada, Alexei Shirov e Yu Yangyi estavam na mesa 7 e caíram na mesma posição de Sergey Karjakin e Aleksey Dreev, na mesa 8.
Posição após 19…Dxg4
Nesse momento a arbitragem decidiu agir e a partida Alexei Shirov x Yu Yangyi foi transferida para outro salão de jogos. No lance seguinte Karjakin jogou 20.Rd3, enquanto Shirov optou por 20.Bf3. As brancas conseguiram vantagem em ambos os jogos, mas apenas Karjakin transformou em vitória. Shirov empatou.
Curiosamente, Karjakin jogou a mesma variante contra Yu Yangyi na Copa do Mundo de 2015. Os 15 primeiros lances são idênticos aos jogos de 2019, porém, no lance 16 o enxadrista russo havia jogado Td1 ao invés de g4.
Arbitragem Minimiza o Fato
Em entrevista para o Chess.com, o árbitro-chefe Alex Holowczak minimizou o acontecido. “Eu notei que o Yu Yangyi ficou bastante nervoso quando olhou para o Dreev, que havia acabado de realizar uma jogada. Por isso, para deixar todos confortáveis com a partida, achei melhor movê-lo para o segundo salão, assim ninguém pode acusar ninguém de nada”.
Após a partida, Sergey Karjakin se pronunciou sobre o caso nas redes sociais. O enxadrista definiu a história como um “acidente engraçado” e brincou dizendo que “Shirov me seguiu, eu segui Shirov, Dreev seguiu Yu, e Yu acreditou na minha preparação, risos”.
Histórico de Partidas Gêmeas
Casos de partidas gêmeas já aconteceram algumas vezes na história. O mais famoso ficou conhecido como “Tragédia Argentina” e refere-se aos jogos do Interzonal de Gotemburgo (Suécia) de 1955.
Na ocasião, as partidas gêmeas não foram uma questão de coincidência, mas fruto de uma preparação de aberturas dos jogadores da Argentina.
Tudo começou com a partida entre Paul Keres x Oscar Panno, no início do torneio.
Keres inovou com 7.f4 (na época 7.Df3 era o mais popular) e Panno não ofereceu resistência. Como os enxadristas argentinos pretendiam jogar a Siciliana Najdorf durante o torneio, eles precisavam de uma arma contra f4. No dia de descanso eles descobriram uma “suposta” melhora na variante.
Posição após 9… g5, com ideia de 10.fxg5 Cfd7 e as negras ganham a casa e5 para o cavalo.
A variante crítica segue com 11.Cxe6 fxe6 12 Dh5+ Rf8.
Nesta posição, segundo os argentinos, o preto estava ganho. Rodadas depois, no Interzonal, Efim Geller caiu nesta posição contra Oscar Panno. Paul Keres também entrou na variante contra Miguel Najdorf e Boris Spassky não hesitou de jogar esse sistema com Herman Pilnik. Ou seja, foram três partidas idênticas ao mesmo tempo! (Geller x Panno), (Keres x Najdorf), (Spassky x Pilnik).
Najdorf logo falou para Geller que “sua partida está perdida, tudo foi analisado por nós”. Porém, para a infelicidade dos argentinos, Geller encontrou o brilhante 13.Bb5!!, omitido pelos argentinos, e venceu a partida com facilidade. Keres e Spassky tiveram apenas de copiar a ideia para confirmarem a tragédia argentina.
Argentinos não analisaram 13.Bb5. Lances candidatos!
Depois do incidente, essa linha ficou conhecida como “Variante Gotemburgo” e foi considerada refutada até 1958, quando o jovem Bobby Fischer (na época com apenas 15 anos) jogou 13…Th7! na partida contra Svetozar Gligoric e conseguiu forçar o empate.
Posição após 13…Th7!, a descoberta de Fischer que até hoje não foi refutada
Os argentinos tentaram 13…Ce5 e 13…Rg7 e sucumbiram rapidamente. A ideia de Fischer se mantém firme até os dias atuais.
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Texto escrito pelo MF William Cruz.
excelente artigo