Desde nossa notícia anterior, a equipe de redatores da Academia, com patrocínio extraordinário das imortais e onipresentes canetas BIC, saiu em busca de vários especialistas comportamentais, psicólogos, psiquiatras, cientistas sociais, exorcistas e afins, para tentar entender o que teria realmente acontecido com o Campeão Mundial Magnus Carlsen durante o último Campeonato Mundial de Blitz – finalizado esta semana, na cidade de Berlim.
[Um dos psiquiatras consultado pela Academia: “Não vejo nada demais. O jovem campeão tem fome de vitória. As reações dele não foram nada demais. Não arrancaram pedaço de ninguém. Mas, quem sabe, talvez um dia ele chegue lá”]
Entretanto, via Facebook, na fan page do nosso GM Rafael Leitão, vários internautas, na maioria dos casos, já nos apresentaram diversas opiniões importantes para a reflexão do acontecido. Alguns exemplos:
“‘chocar’ a comunidade? que exagero!!! você poderia dizer isso se ele tivesse virado a mesa, quebrado um peça, atirado a uma garrafa contra alguém, mas na tensão da partida relâmpago me pareceu totalmente norma a reação delel!”
“Não acho chocante, mas também não é uma atitude muito digna de um campeão mundial: no mínimo ele podia pensar no exemplo que está pondo diante de seus fans”.
“Estou entre aqueles que interpretam como uma vontade insana de vencer, que tem brios. Mesmo depois de ganhar tudo no xadrez, ainda tem sangue nos olhos! Não vejo isso como defeito. Recentemente a academia de xadrez Rafael Leitão publicou um texto sobre se é certo ou não um enxadrista comemorar uma vitória. Por que não? Se é com respeito ao adversário, se cumprimentou o adversário ao fim da partida (Carlsen cumprimentou todos eles) acho bem razoável cerrar os punhos, vibrar e etc. Da mesma forma, expressar um desapontamento, uma decepção também é razoável, desde que com respeito ao adversário.”
“As derrotas e as reações dele deixaram bem claro uma coisa: ele ainda é humano! Mas vi que há um espírito bem combativo… Mas não acho que seja um defeito não aceitar pacificamente uma derrota. O xadrez, apesar de tudo, é um esporte… E essa vontade de ganhar, quando não acontece o esperado, às vezes proporciona essas reações, mas deixar transparecer publicamente é sempre chocante… Kasparov e Nakamura que entendem bem essas coisas, rs.”
“Bobagem isso. Por algum motivo esperam que um jogador de xadrez não seja humano. Quando ganha não pode ficar feliz, quando perde não pode ficar p… Se eu fosse assessor de marketing do Carlsen, eu até estimularia ele a fazer esse tipo de coisa, porque mostra que ele é humano e dá o que falar. É ótima publicidade, não só para ele, mas para o xadrez. Eu vi um vídeo no mesmo torneio em que o Rublevsky está perdido e simplesmente assina a planilha, levanta e vai embora sem cumprimentar o adversário. Esse tipo de comportamento me parece muito mais desrespeitoso, o Carlsen pelo menos cumprimentou os adversários.”
“Que bom ver essa reação! Magnus é jovem, já conquistou ‘tudo’ que tem para conquistar no xadrez e mesmo assim continua jogando com o coração, vibrando, e não suporta perder!! Essa vontade, esse ímpeto é o que marca os grandes campeões, e por isso ele É O MELHOR!”
“Falta de respeito com o adversário e com a arbitragem, e péssimo exemplo para quem está iniciando no xadrez e vê esse tipo de cena. Não foi legal para a imagem do Carlsen.”
“Honestamente eu acho ridícula a atitude de Carlsen, demonstra uma grande falta de respeito para com o oponente além de total descontrole emocional. Pode jogar muito bem, mas falta maturidade.”
[Carlsen reagindo às palmas com que Ivanchuk foi recebido pela plateia depois de vencê-lo]
Como podemos observar, as opiniões são divergentes. Há quem condene o jovem campeão; há os que o entendem; e há até aqueles que louvam a atitude. E agora? Desta forma, resolvemos ir mais a fundo e perguntamos a opinião de árbitros e jogadores profissionais conhecidos por boa parte da comunidade enxadrística brasileira. Primeiro uma parcela da família Riemsdijk: Marius e Herman Claudius.
AI (Árbitro Internacional) Marius Rombout van Riemsdijk: “É claro que o Carlsen não pode ser considerado um gentleman e que no caso foi deselegante, mas também não achei tudo isso. A pior foi contra o Grischuk, quando ele chuta a cadeira, embora ele imediatamente se dá conta do que fez e se desculpa. By the way, que fique registrado que a comemoração do Ivanchuk é também bastante deselegante.”
MI Herman Claudius van Riemsdijk: “Ainda não vi. Quando olhar, eu digo para vocês. Provavelmente uma reação de alguém ainda imaturo emocionalmente…”
É difícil ser mais polido que o Mestre Herman – quem o conhece, sabe. Marius atenta para duas questões interessantes: que Carlsen se arrepende do que fez, logo após, e que atitude de Ivanchuk, embora caricatural para quem conhece a fama do jogador, também pode ser questionável.
O MF Álvaro Aranha que, além de ser um reconhecido professor do nosso esporte e técnico da equipe feminina de xadrez em duas ocasiões, também deu sua opinião, e foi direto – embora demonstrando profundo conhecimento histórico.
MF Álvaro Aranha: “Eu acho uma reação humana de um menino mimado! Ele é muito competitivo e não é a primeira vez que reage mal… A jogada de caneta me lembrou o falecido Cajal!” [Nota: André Cajal foi um forte enxadrista paulista que ficou conhecido por, além de outras coisas, ser um pouco temperamental com as derrotas – não só canetas voavam, como planilhas eram, literalmente, devoradas. Neste caso, em comparação, o capivara aqui seria o Carlsen]
Alguns dos nossos GMs também não escaparam da enquete. Primeiro o recordista de aparições neste espaço, o espirituoso e temperamental (mas só nas partidas em si) Alexandr Fier:
GM Alexandr Fier: “Achei que ele foi um grande mala. Estrelinha. Coisa de moleque que a mãe baixou a mesada de 100 para 90 reais. Mas em compensação, o pulinho do Ivanchuk foi o highlight. Ah, o corte de cabelo do Pono merece menção também.”
[Concordamos com o Fier. Esqueçam as canetas voadoras. Isso sim é uma falta de educação]
O muito querido e popular Krikor Mekhitarian, que possui uma torcida organizada não-oficial no interior de SP (na cidade de Ribeirão Preto para sermos mais precisos), também deu sua opinião – relembrando a pressão, além da normal, que deveria estar rondando Carlsen durante o evento.
GM Krikor Mekhitarian: “Achei que ele sentiu que estava perto de ganhar os 3 torneios pelo segundo ano seguido e quando caiu a ficha que ele também erra e podia perder umas partidas e o título, deve ter sido um gosto amargo. Seria uma marca incrível, bem histórica, esses torneios acontecem de tudo. Mas ele se comportou mal. É um exemplo ruim. Achei feio.”
O simpático e pacato GM Felipe El Debs, fez valer o nosso substancial e repentino patrocínio das canetas BIC – além de mostrar que está tão afiado quanto o MF Álvaro nas questões históricas do xadrez brasileiro.
GM Felipe El Debs: “Mau perdedor. Quer ficar bravo, beleza, mas o que a caneta fez para ele? A galera pode aplaudir o adversário dele e ele pode até ficar bravo, balançar a cabeça e tal. Acho que está valendo. Mas jogar a caneta, no estilo do que o Cajal fazia, é que achei desagradável.”
Aproveitando o ensejo, recentemente, no blog da Academia, o nosso GM Rafael Leitão traduziu uma matéria do GM argentino Rubens Felgaer com o tema da comemoração no xadrez (“A Comemoração Proibida”). Na mesma matéria, o GM Leitão relatou um pouco da sua experiência neste assunto: “Minha sensação foi parecida em alguns dos momentos mais emocionantes da minha carreira. Em 1991, ao vencer a última partida do Mundial sub-12, conseguindo o título, meu pai saiu correndo das arquibancadas para falar comigo, em estado de êxtase total, enquanto eu calmamente me retirava do salão de jogos. Já em 1996, havia combinado com Gilberto Milos – meu treinador à época – que faríamos uma comemoração estilo “NBA” e reproduzimos no meio do salão uma cena um tanto patética ao pularmos como jogadores de basquete. Curiosamente eu e meu amigo Felgaer tivemos um momento concomitante de vitória na Copa do Mundo 2013, em Tromso. Ambos vencemos a partida decisiva no desempate, o que nos garantiu a vaga na segunda rodada. O detalhe é que estávamos totalmente perdidos, então a adrenalina estava a mil. Saímos imediatamente do salão de jogo e gritamos a todos pulmões. Como se vê, eu era mais maduro com meus 11 anos…”
Depois de tantos julgamentos, absolvições e condenações, vamos dar voz ao próprio Campeão Mundial. Falando em voz, um dos “palavrões” que ouvimos Carlsen soltar, ao contrário do que parece, não é inglês. Magnus vocifera “faen”: um palavrão norueguês que significa, literalmente, “diabo”. Mas, enfim, Carlsen disse, em uma conferência de imprensa após o término do Campeonato: “Estou muito decepcionado comigo mesmo. Uma coisa é o jogo, mas o que eu estou mais decepcionado mesmo é com a maneira como eu reagi. Sei que parece muito estúpido para e girar, e girar, e bater as mãos no ar, e, em seguida, sair correndo como um idiota.”
Qual a conclusão, portanto? Nenhuma. Para qualquer uma das opiniões, vale a máxima: “Sou um homem: nada do que é humano me é estranho” (Terêncio, dramaturgo e poeta romano).
Escrito por Equipe Academia de Xadrez Rafael Leitão 17.10.2015.
O xadrez tem ética própria, nem sempre seguida pelos assim chamados jogadores de clube. Mas em se tratando de profissionais do mais alto nível achei estranha a reação do Carlsen, embora já tenha visto (estava lá) o lendário Kortchnoi, em LInares 1998, entregar a Dama para um jogador bem mais fraco e se levantar gritando que o adversário era um animal e que não merecia estar ali. Mas Kortchnoi já é conhecido de todos pelo seu temperamento, enquanto Carlsen, campeão mundial indiscutível, não deveria ter feito o que fez, mesmo bastante contrariado. Não acho que foi só deselegante com o seu adversário, mas deu um péssimo exemplo para o público em geral. Perder ou ganhar faz parte de qualquer jogo, mesmo fazendo bobagens como ele fez no tabuleiro. Não acho que seja justificável. Quanto a assinar a súmula e simplesmente se retirar do recinto creio que é outra falta de ética, e, repito, não se justifica num torneio de altíssimo nível.