O Rio de Janeiro foi a sede da Final do Campeonato Brasileiro 2015, disputado de 9 a 17 de janeiro do ano seguinte. O torneio, mesmo sem a presença de todos os nossos grandes mestres em atividade, costuma ser muito aguardado e seguido por toda a comunidade enxadrística. O evento foi vencido de forma convincente pelo GM Krikor Mekhitarian, com uma pontuação espetacular. O torneio também teve outros heróis e alguns dramas, como veremos. Neste artigo farei um relato pessoal sobre tudo que presenciei durante a competição, incluindo o estranho acontecimento ocorrido na última rodada.
Os Participantes
É obrigatório observar uma certa frustração com a baixa presença de grandes mestres no evento, o que tira um pouco do prestígio do evento e, ainda mais importante, chances de normas, o que prejudicou um dos participantes nesta ocasião. A premiação do torneio certamente não chega a animar, sendo a mesma há vários anos, mesmo com nossa inflação atual de 11% e desvalorização da nossa moeda…
Também a estranha coincidência de datas com o gigantesco Aberto de Florianópolis acaba dividindo as atenções – El Debs, por exemplo, preferiu jogar em Floripa, enquanto Matsuura nem sequer se animou a disputar o desempate por uma das vagas durante a semifinal. Não me cabe aqui induzir quais os motivos para essa coincidência de datas (o Aberto de Florianópolis costuma ser marcado com bastante antecedência), mas sim torcer para que isso não aconteça nos próximos anos, até porque acredito que o campeonato nacional deve ser realizado no mesmo ano.
Além disso, por mais que pretendamos socializar o nosso jogo e oferecer chances para enxadristas de todo o Brasil, tenho sérias dúvidas se o sistema de duas semifinais é o mais adequado para a escolha dos participantes. Temos que nos lembrar que a função principal da competição é definir o melhor jogador do país e oferecer chances de normas para os não titulados – ambas as condições acabam prejudicadas no formato atual.
Nada disso é culpa, naturalmente, dos finalistas da competição, todos eles, ouso dizer, com uma motivação não pecuniária. Alguns com a ambição de conquistar o título mais importante do nosso calendário, outros felizes com o prestígio de participar em um evento tão importante.
Os doze participantes eram, por ordem de rating:
GM Rafael Leitão 2633
GM Krikor Mekhitarian 2555
MI Evandro Barbosa 2461
MI Yago Santiago 2422
MI Eduardo Limp 2385
MF Ernani Choma 2383
MI Marcus Vinícius Santos 2367
MI Máximo Iack Macedo 2316
MF Renan Reis 2254
MF Luismar Brito 2235
MF Ricardo Teixeira 2234
Rafael Cabral 2159
Resumo do Torneio
A maioria esperava uma luta acirrada entre mim e Krikor, mas meu jogo foi errático logo no início. Desde a primeira rodada ficou claro que minha forma não era das melhores, quando venci uma partida bem suspeita apenas com um erro de Teixeira no apuro de tempo.
Já os dois verdadeiros protagonistas do torneio, curiosamente, começaram com dois empates. Mas então Krikor arrancou uma incrível sequência de 9 vitórias (incluindo nossa partida, na sexta rodada, em uma dramática luta), enquanto Evandro fez 7,5 em 8 até empatar rapidamente a última, quando já não tinha chances (veremos mais adiante por quê).
Uma coisa que costumo dizer é que o xadrez retribui. Krikor e Evandro são dois sérios profissionais, estudiosos e ambiciosos, cada um à sua maneira. Ambos estão muito bem preparados teoricamente e com um repertório de aberturas exemplar, além de possuírem boa memória – qualidade cada vez mais importante nos dias de hoje. Evandro joga rápido e com confiança, enquanto Krikor parece viciado em apuro de tempo. A lição é que não existe um “atalho” para bons resultados. Trabalho duro é necessário.
[O MI Evandro Barbosa]
As duas últimas rodadas foram dramáticas. Em minha partida contra Yago, eu mais uma vez errava no cálculo (algo que se repetiu em quase todas as partidas do torneio), quando cometi um gravíssimo erro na posição do diagrama:
Jogam as brancas
Depois de 34.Rg2! Bxe3 35.Rf3, as pretas teriam que enfrentar uma ingrata luta pelo empate, com um peão a menos, já que o peão de d3 fatalmente irá cair. Mas eu joguei o horrível 34.e4?? e depois de 34…Tb8!, que nem passou por minha cabeça, tive que lutar para empatar (o que, felizmente, consegui).
Enquanto tudo isso acontecia, eu observava as partidas de Krikor e de Evandro, que jogavam ao meu lado. O jovem MI se aproveitou do que foi, talvez, o maior erro do torneio, em sua partida com Limp:
Jogam as brancas
Após o natural 31.Ce4, tudo pode acontecer. A qualidade a menos das brancas está totalmente compensada, já que os cavalos são muito fortes. Provavelmente a posição é equilibrada. Mas Limp simplesmente se esqueceu do cavalo e jogou 31.Th1??. Após 31…Txd6 32.Cg5+ Th8, teve que abandonar poucas jogadas depois.
Enquanto isso Krikor, que aparentemente tinha um emparceiramento mais fácil (brancas contra Luismar Brito), se encontrava em uma situação, no mínimo, delicada. Tudo começou na posição do diagrama:
Jogam as brancas
Após 20.Da4+! Dc6 21.Dxc6+ Cxc6 22.Tf2, as brancas teriam uma confortável vantagem, mas Krikor, em apuro de tempo, jogou 20.Td3?. Eu acreditava que as pretas venceriam imediatamente com 21…Df2!, mas as brancas, de milagre, ainda se salvam: 22.Df1 Dxe2 23.hxg4 hxg4+ 24.Rg1, quando a vantagem preta não é tão grande. Na partida Luismar jogou 20…exf4 e foi derrotado depois de algumas aventuras.
Depois de todas essas aventuras, chegamos à rodada final da mesma forma que boa parte do torneio, com Krikor meio ponto à frente.
Mas, antes de falarmos do que aconteceu no último dia, gostaria de comentar mais dois resultados individuais no torneio.
Ernani Choma teve um excelente desempenho, terminando em terceiro lugar e conquistando uma norma de MI (acredito que seja a norma definitiva). Choma é simpático e sorridente e um típico representante da “escola paranaense” de xadrez. Jogo sólido e posicionalmente consistente, inglesa com as peças brancas, siciliana com as pretas. Claramente se nota o legado do GM Jaime Sunye em sua formação como enxadrista. Tive a oportunidade de conversar com nosso mais novo em MI em algumas ocasiões. Além de forte enxadrista ele é um acadêmico brilhante. Espero que o seu doutorado, que deve começar este ano, não o impeça de jogar torneios, pois acredito que ele possa subir ainda mais o rating.
[O simpático Ernani Choma]
Muitos esperavam um bom torneio de Yago, que recentemente conseguiu sua segunda norma de GM. Mas o torneio não decolou para ele. Xadrez é um jogo muito difícil e se perdemos a confiança logo no início da competição, o resultado pode ser trágico (posso dizer o mesmo do meu torneio). Mas Yago logo estará recuperado desse pequeno tropeço e em breve estará com o seu rating normal. Ele tem uma qualidade importante: joga sem medo, sempre para ganhar, mesmo nas situações mais adversas.
O Anticlímax
Muitas emoções pareciam reservadas para a última rodada. Krikor enfrentaria, de pretas, Ricardo Teixeira. O carioca vinha embalado por uma vitória. Já Evandro era um sério favorito contra Máximo Iack. O torneio, portanto, não estava definido.
Mas, em um episódio absurdo e lamentável, Teixeira, enxadrista convidado para o evento, não compareceu para jogar. Quer dizer, até apareceu, uma hora e meia depois do início da rodada (9 horas da manhã), bem depois do limite de tolerância, que era de uma hora. Segundo relatos, ele confundiu o horário, acreditando que a rodada era às 10h.
O que dizer sobre isso? É obrigação de um enxadrista confirmar os horários da competição, que estavam publicados e não foram modificados em nenhum momento. Ele deve, no mínimo, um pedido formal de desculpas para os organizadores e os participantes, principalmente para Evandro – mas não apenas para ele.
Vale destacar, em uma nota final, que o hotel em que ficamos alojados era excelente. Já o salão de jogos era bastante apertado para um evento desse porte – os jogadores tinham uma certa dificuldade de locomoção, sem falar que quase não havia espaço para os visitantes. Teria sido melhor um salão de jogos no próprio hotel, com o espaço e conforto necessários para todos.
Agora é esperar que as condições financeiras melhorem para o torneio de 2016. Esta foi a promessa do próprio GM Dacry Lima – Presidente da CBX -, durante o discurso de encerramento.
A melhor partida do campeão foi contra o Choma, na qual ele executou um elegante arremate [ veja a partida aqui ].
Mais uma vez parabéns ao Krikor, merecido campeão brasileiro 2015!
Classificação final:
1 GM Mekhitarian Krikor 10
2 MI Barbosa Evandro Amorim 9
3 MF Choma Ernani Francisco 7
4 GM Leitao Rafael 7
5 MI Santos Marcus Vinicius Moreira 7
6 MI Limp Eduardo Thelio 5
7 Souza Rafael Cabral De 4,5
8 MI Santiago Yago De Moura 4
9 MI Macedo Maximo Iack 4
10 MF Reis Renan Do Carmo 3
11 MF Brito Luismar 3
12 MF Teixeira Ricardo Da Silva 2,5
Fotos: Albert Silver.
Reveja a entrevista que fiz com o GM Krikor Mekhitarian em maio de 2015.
Tem mais de semana o torneio e não houve um dia sequer pra pausa, tendo rodada dupla duas vezes pelo menos...
Acho isso horrível.
Não conheço justificativa pra os horários.
Em termos de jogos, o único inconveniente foi esse W0 no último dia, pra mim isso foi pura cara de pau, nível de comprometimento 0.
Quisera saber do Rafael o porquê de um jogo tão apático.
Realmente é um torneio pra esquecer.
Sabemos que xadrez é isso mesmo... Bola pra frente, todo mundo tem seus downs
bola pra frente
Há de se destacar a participação do pernambucano Rafael Cabral. Ele chegou com o rating mais baixo da competição e mesmo assim não fez feio. Teve uma performance de mais de 2300, nível de um forte mestre FIDE. Além disso ficou mais bem colocado que dois mestres internacionais e três mestres FIDE, mesmo sendo uma jogador ainda sem títulos internacionais. Abraços, espero que o nosso número 1 volte mais forte na próxima vez.
Infelizmente conseguiram "Sucatear" o Xadrez no Brasil!!A única motivação pra jogar é o amor pelo jogo!!Para um jogo que,pra vc alcançar uma certa proficiência são necessárias muitas e incessantes horas de estudo(se bobear é ate mais difícil que uma faculdade de medicina).É vergonhoso até para o campeão dizer que ganhou R$ 3.000,00 no campeonato brasileiro!!Qualquer campeonato mixuruca de truco ou caxeta em periferias pagam um "carneiro" de premiação e um valor bem mais alto que isso!!Este quadro só ira mudar com iniciativa dos Jogadores Profissionais(Mestres e GMs) criando cooperativas e desbancando federações e etc que ao longo dos anos vem transformando o Xadrez em "ferro velho".De outro modo,se continuar a frouxidão por parte dos jogadores,aí entra o velho e antigo ditado: "CADA UM TEM O QUE MERECE".
Acredito que o pais nessa crise financeiramente seja mais complicado oferecer mais premio do que isso..quanto ao abandono em plena ultima rodada eu lamento profundamente ao brilhantismo do xadrez brasileiro, e preciso selecionar mais este convite VIP, ceder a algum mestre que valorize a importância do mesmo..porem, isto não tira o grande mérito do GM Krikor Mecktarian que convincentemente saiu invicto e com grandes vitórias na jornada!
Att. Matheus Ribeiro
Rafael,
Por que o Sr. acha que o sistema de duas semifinais não é o mais justo para classificar os participantes da final? Temos o exemplo do Rafael Cabral e Renan Reis, ambos do Norte/Nordeste, que não fizeram feio, dando trabalho para os GMs e até conseguindo ganhar de jogadores com rating mais alto. Acredito que cada torneio é um torneio (mesmo o Campeonato Brasileiro) e as chances oferecidas aos jogadores devem ser iguais, tendo em vista o tamanho continental do nosso país, todas as regiões devem ser vistas de modo equânime.
Oi Rodrigo, obrigado pela mensagem. A questão, naturalmente, não é privilegiar uma região (mesmo porque sou nascido e moro no Nordeste), mas sim descobrirmos a forma mais justa para que sejam selecionados os melhores enxadristas. Acredito que uma semifinal unificada, com mais rodadas, seja um critério melhor para definir os finalistas. Obviamente a escolha da sede deve ser pensada com cuidado e alternada de ano a ano. E os campeões dos zonais ou o representante oficial do Estado deveriam ter condições (passagem, hospedagem etc). Obviamente, tudo isso em um mundo ideal. O que está muito claro é que duas semifinais curtas não é o melhor critério - e isso não é nenhum demérito para os enxadristas classificados esse ano, que tiveram ótimo resultado e com os quais tenho ótima relação.
Hum, entendi. Valeu Rafael!