Entrevista com o Campeão Mundial Magnus Carlsen

    Magnus Carlsen é, sem dúvidas, um campeão mundial sem precedentes na história do xadrez. Jovem, com estilo galã de ar despojado, ele consegue ser uma celebridade mundial mesmo tendo destaque em um esporte que não é tão popular e que costuma atrair os olhares somente dos amantes do jogo.

    É bem verdade que o famoso match Spassky x Fischer fascinou o mundo, mas isso se deu graças às conjecturas políticas da época. O destaque de Carlsen atualmente se dá por outras razões.

    Potencial é o que não lhe falta! O fenômeno nos tabuleiros também é um fenômeno em marketing. O garoto-propaganda de marcas famosas, que desenvolveu seu próprio aplicativo, também prova sua popularidade nas redes sociais. E, hoje em dia, celebridade que se preze tem que fazer sucesso online!

    No Facebook ele tem mais de 417 mil fãs. No YouTube, mais de 53 mil inscritos. No Twitter, mais de 121 mil seguidores e no Instagram, mais de 45 mil.

    Na última sexta-feira, 20 de maio, provando seu prestígio no mundo virtual, ele fez uma transmissão via Facebook que já possui mais de 80 mil visualizações. Durante cerca de meia hora, ele respondeu diversas perguntas dos fãs (lidas pela Diretora Executiva do aplicativo Play Magnus, Kate Murphy): a rivalidade contra Nakamura e Giri; o reflexo dos computadores hoje em dia; Kasparov; a influência das partidas clássicas no seu jogo, dentre outras.

    A entrevista foi transcrita pelo site Chess24 e traduzida para espanhol. Abaixo, a reprodução, em tradução livre, de algumas das perguntas e respostas do Campeão Mundial.

     

    OS RIVAIS ATUAIS DE CARLSEN

     

    Quem é o seu adversário mais difícil em todos os ritmos/formatos de xadrez?

    Não sei. Na verdade, eu tenho certa dificuldade em enfrentar o Play Magnus de qualquer idade! Quando joguei contra Kasparov, no Blitz, tanto agora como quando eu era pequeno, e mesmo quando eu treinei com ele, senti-me intimidado, mas depois de um tempo eu consegui ficar firme e ir além.

     

    Por que você acha que joga tão bem contra Hikaru Nakamura?

    Obrigado por fazer essa pergunta! (Risos) Em primeiro lugar, é muito interessante jogar contra Hikaru, pois ele é um jogador muito bom e levanta problemas difíceis. Mas eu sempre gosto de jogar contra os jogadores mais fortes e agressivos. E sempre me sinto à altura do desafio de enfrentá-los. Eu acho que, depois de um tempo, tornou-se também algo psicológico. Pois mesmo me considerando um jogador melhor do que Hikaru, de qualquer maneira, em alguns dos nossos jogos, se nosso score fosse diferente, os jogos poderiam ter terminados com um resultado um pouco distinto.

     

    O que o Giri tem que lhe dificulta ganhar dele consistentemente?

    Eu não sei por que você está falando sobre consistência, pois eu nunca ganhei uma partida dele! Não, ele é um bom jogador: muito difícil taticamente e por isso é difícil aplicar-lhe golpes. Recentemente, todos os nossos jogos parecem seguir o caminho do empate com bastante rapidez, mas, de qualquer forma, quando ele começar a ganhar torneios, isso vai ser um problema maior para mim! Por agora, eu posso dormir bem à noite, apesar de ter uma pontuação negativa contra ele.

     

    APRENDER COM OS MESTRES DO PASSADO

     

    Será que os livros antigos têm valor?

    Os livros antigos definitivamente ainda tem valor. Você pode aprender muito com os livros antigos, pois eles são muito instrutivos. Em jogos modernos é mais difícil de jogar este tipo de jogos instrutivos, pois os jogadores percebem o que você vai fazer e não é só seguir um bom plano e ganhar bem. No passado muitas vezes apareciam partidas, mesmo nos jogadores de nível mais alto, em que alguém colocava um bom plano e vencia. É ainda importante para aprender estes planos e estas ideias e os livros antigos são muito bons por conta disso. No meu caso, eu gostava de ler estes livros, tanto sobre os jogadores quanto sobre estratégia – e eu ainda faço isso. Eu acho que é muito bom para a educação geral de um jogador de xadrez.

     

    Das partidas de qual campeão mundial você aprendeu mais? E você pode descrever brevemente como estuda os jogos clássicos?

    A maneira que eu estudo os jogos clássicos é reproduzindo as partidas na base de dados, ou, mais frequentemente, ler um livro sobre eles. E, na verdade realmente, não estou necessariamente procurando alguma coisa. Eu só quero desfrutar dos jogos! Eu gosto de xadrez e, em seguida, espero aprender alguma coisa com eles. Eu não diria que há um jogador em particular com quem eu tenha aprendido mais… Em todo caso, provavelmente, talvez com um dos campeões mais antigos do mundo, como Botvinnik; suas partidas eram, muitas vezes, instrutivas e poderosas.

     

    E que jogadores são subestimados ou pouco reconhecidos?

    Eu acho que há jogadores da época em que os soviéticos foram os campeões, como Keres, Stein, Korchnoi etc., mas tem-se falado tanto sobre eles serem subestimados que agora eles estão se tornando supervalorizados! Não sei… Dos melhores jogadores atuais, Boris Gelfand não conseguiu receber sempre o crédito que merece…

     

    DICAS PARA INICIANTES

     

    O que devem fazer os iniciantes?

    Eu acho que especialmente devem praticar jogando partidas, aprender algumas questões básicas, tais como padrões de mate e que casas as peças, de modo geral, devem ocupar, embora muitas dessas coisas venham com o treinamento. Para obter resultados imediatos, sempre trabalhe para ver se você pode capturar uma peça do adversário ou se o seu adversário pode capturar alguma sua. É incrível o quão longe isso pode levá-lo!

     

    Se você tivesse que aconselhar um jogador eventual, digamos com um rating de 1600, quais seriam as melhores aberturas para garantir um jogo posicional?

    Eu acho que com as brancas o melhor a fazer é Cf3, em seguida, g3, Bg2 e roque, pois depois você pode obter muitas estruturas de peões diferentes no centro. Você pode escolher d4-c4 ou d3-c4; ou você pode ir de e4-d3; e você pode, até mesmo, fazer apenas b3 Bb2 e desenvolver-se a partir daí. Eu acho que é uma boa abertura apenas para entrarmos em diferentes estruturas de peões e com um jogo relativamente calmo. E com negras temos e4 e5, onde você pode jogar uma Ruy Lopez fechada. Eu acho que é uma boa estratégia, para qualquer um que queira melhorar o seu xadrez posicional, tentar entender essas posições.

     

    Combo Calculo folder

     

    COMO MELHORAR

     

    Como posso melhorar os meus finais?

    Eu acho que a capacidade nos finais vem principalmente com a experiência. Pelo menos isso aconteceu comigo. Eu desenvolvi uma sensibilidade melhor para o jogo em geral depois de um tempo. Meus finais também melhoraram e existem muitos livros com uma enorme variedade de alguns finais teóricos que você deve conhecer. Um que li foi Finais Fundamentais de Xadrez, de 2002, escrito por dois autores alemães. Eu acho que ainda é um bom guia, mas, sobretudo, muitos dos princípios que se aplicam aos finais aplicam-se ao jogo posicional regular. De toda forma a experiência e o fato de jogar e desfrutar do xadrez vão ajudar no longo prazo para que você melhore seus finais. [Magnus comentou em seguida]:

    Como mencionei anteriormente, Finais Fundamentais de Xadrez me ajudou muito a melhorar alguns finais chaves. Quando eu tinha, digamos, uns 11 anos, era muito ruim em finais, e, em seguida, em meus 13/14 anos os finais se tornaram uma de minhas forças.

     

    Quantas horas você treina agora e quantas treinava no passado? Você concorda com Bruce Lee dizendo que a concentração é o mais importante na hora do treinamento?

    Não necessariamente. Eu acho que, provavelmente, treinava mais quando era garoto que agora, mas, na minha opinião, no xadrez você pode treinar bem sem ser totalmente concentrado. Eu acho que se você só pensar nisso as ideias vêm à sua mente e isso não deixa de ser um treinamento útil. Agora eu não diria que treino muitas horas por dia. Provavelmente, apenas uma parte.  Mas acho que penso sobre xadrez o tempo todo.

     

    Como você pode jogar às cegas?

    Eu acho que isso vem com a prática. De alguma forma, eu pratico xadrez às cegas o tempo todo, pois eu visualizo na minha cabeça o tabuleiro e as peças sem ter o tabuleiro e as peças, de verdade, na minha frente. Com o tempo, você pode fazer mais e mais. Isso só vem com a prática. Na verdade, não há nenhum truque de mágica.

     

    Por que analisar com um adversário depois do jogo e arriscar-se a revelar-lhe toda sua estratégia?

    Bem, nós não compartilhamos tudo. Apenas parece que o jogo era tão interessante que nós precisamos discutir o que foi feito. Afinal, estes são os melhores jogadores do mundo, por isso essas são as pessoas mais interessantes que você pode ter para discutir uma partida, não importando quem ganhou ou perdeu, ou mesmo se você gosta da pessoa ou não.

     

    SOBRE A SUA CARREIRA

     

    Qual foi a partida mais louca que você já jogou em sua vida?

    Em primeiro lugar, lamento dizer que eu nunca usaria essas palavras. Não há muitas partidas loucas na minha história! Eu não gosto quando os jogos são assim. Eu prefiro quando eles são limpos e arrumados. Mas há um jogo contra Topalov em Wijk aan Zee, 2012. Se alguma vez joguei uma partida louca, provavelmente foi essa.

     

    Você jogaria contra Garry Kasparov?

    Claro! Estou pronto para enfrentar qualquer adversário humano, incluindo Garry. Se ele quiser jogar alguns relâmpagos ou rápidos, eu ficaria muito feliz.

     

    O que acontecerá quando Hammer se tornar o novo desafiante para a coroa do campeonato mundial? Você vai mudar de assistente?

    Eu só tenho amor por Hammer (“martelo”, em Inglês), mas não acho que isso vá acontecer!

     

    Já decidiu quem serão os seus assistentes durante o Campeonato Mundial?

    Não, mas não haverá grandes mudanças. Isso é tudo que eu vou dizer!

     

    COMPUTADORES E TECNOLOGIA

     

    Como você vê o futuro do xadrez em um mundo com avanços tecnológicos tão rápidos?

    Temos, obviamente, visto mudanças, mesmo desde o início, enquanto os computadores tornaram-se tão, tão superior. Quando eu comecei os seres humanos ainda poderiam competir bem contra os computadores, mas, agora, é claro, não podem. Imagino que no futuro a preparação das aberturas também irá melhorar. Será ainda mais fácil para as pessoas melhorarem o seu jogo com tanta informação disponível. Além disso, as possibilidades de transmitir xadrez para mais pessoas melhorarão com a tecnologia que está chegando. Os jogos do Campeonato Mundial serão incríveis com a realidade virtual, por exemplo! Então, vamos ver o que acontece.

     

    Você jogaria um match contra um computador, como Kasparov jogou contra o Deep Blue?

    Na minha opinião, Garry deveria ter vencido o Deep Blue. Eu acho que naquele momento Deep Blue ainda não tinha o suficiente para bater Garry – claramente algo saiu muito errado do ponto de vista mental. Hoje eu não teria nenhuma chance em um match de 10 jogos contra um dos melhores computadores. Eu não vou fazê-lo e eu não vou jogar qualquer match com vantagens. Acho que é mais interessante enfrentar humanos e eu gosto de ganhar!

     

    OUTRAS QUESTÕES

     

    Você tem animais de estimação? Se não, qual você gostaria de ter?

    A minha família teve um gato e um cão ao longo dos anos. Na verdade, em algum ponto, os dois ao mesmo tempo, o que parece estranho. Eu acho que eu gostava mais do gato. Sou um homem sensível!

     

    O que você faria se você não fosse um jogador de xadrez?

    Estou tão feliz por não ter de me fazer essa pergunta por agora! Hipoteticamente, poderia ser algum tipo de apostador.

     

    Você acha que um dia o xadrez vai lhe parecer chato?

    Não, acho que não. Eu acho que vou desfrutar do xadrez até o dia da minha morte. Que espero que não chegue tão cedo!

     

    Fonte:

    Chess24

     

    Escrito por Equipe Academia de Xadrez Rafael Leitão 24.05.2016.

     

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    6 Responder para “Entrevista com o Campeão Mundial Magnus Carlsen”

    • Ivan Tadeu Couto Rojas

      Boa esta entrevista.
      Seria ótimo se o campeão enfrentasse Kasparov.
      Será que acontecerá?
      Abs
      Ivan Tadeu ...

    • Jair Azevedo Junior

      Muito instrutivo, obrigado pela tradução. :)

    • Edson Maia Carlos Filho

      Boa tarde ! Ótima entrevista ! extensa e franca !

    • Waughan

      Ótima entrevista com um dos melhores jogadores do mundo

    • Marcelo Gonzalez

      Muito bom, Magnus prova que a máquina superou o homem no xadrez, Kasparov não foi superado no total de Matches contra computadores somando as partidas dos anos de 1996 e 1997 contra Deep Blue ele tem mais pontos e contra Deep Fritz em 2002 empate e Deep Junior em 2003 novamente empate. E claro que se a máquina perder de Kasparov não impulsiona as vendas , acho perfeitamente possível o Magnus vencer qualquer computador mas na maioria das partidas evidentemente pelo cansaço levará desvantagem.

    • Gustavo

      Excelente entrevista! Alguém saberia informar o título original, do livros de finais, indicado pelo Carlsen (Finais Fundamentais de Xadrez) ?

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