Como Ficar Mentalmente Mais Forte?
É bem sabido que para obter bons resultados desportivos um atleta não depende exclusivamente da parte técnica. Muitos outros fatores são importantes, mas o principal deles, ao meu ver, é o que chamo de “força mental”. É esta força que permite ao competidor manter-se equilibrado mesmo nos momentos de máxima tensão, que o faz lutar ainda que a situação seja difícil.
Esportes individuais dependem ainda mais desta força mental. Afinal, não é possível colocar a culpa em ninguém além de você mesmo. No xadrez sentimos uma carga psicológica ainda maior que o normal, pois não podemos extravasar. E saber lidar com essas emoções faz uma diferença gigantesca na tabela de torneios.
Quem está acostumado a competir certamente já experimentou a sensação desesperadora de perceber que cometeu um erro assim que soltou a peça no tabuleiro, ou a tensão de um apuro de tempo em uma posição complexa ou, ainda, a insegurança ao ser emparceirado contra um adversário de rating bem maior. Isso pode acarretar transpiração, um calor repentino pelo corpo, perda de peso durante uma partida… Por essas razões, Kasparov já disse: “Few things are as psychologically brutal as chess” (poucas coisas são tão psicologicamente brutais quando o xadrez). Temos, portanto, que aprender a lidar com as emoções. E, como tudo na vida, é preciso reconhecer o problema e treinar para resolvê-lo.
Neste artigo citarei algumas das questões psicológicas que me parecem comuns na prática de um enxadrista, observadas após anos de competição e treinamento. Algumas delas foram citadas na palestra sobre meu heptacampeonato brasileiro, na qual fiz um relato dos momentos psicologicamente mais importantes.
Como superar derrotas?
Talvez este seja o maior problema dos enxadristas. Conheço vários profissionais que lentamente abandonaram as competições por terem medo de perder. Há também quem fique desmotivado ao perder uma partida e comece a jogar sem concentração as partidas posteriores, não raro perdendo várias em seguida. O exemplo de um jogador que lida muito bem com as derrotas é Magnus Carlsen. Ele está sempre pronto para lutar no dia seguinte, não importa o que tenha acontecido. No torneio de Wijk aan Zee 2015 ele encaixou uma sequência de 6 vitórias consecutivas logo após perder sua partida de terceira rodada. Topalov também é um excelente exemplo (falando apenas de jogadores da elite).
No meu caminho rumo ao heptacampeonato brasileiro tive que superar uma derrota bastante dolorosa, ocorrida poucos dias antes do início da competição.
Salinas,P 2411 x Leitão,R. 2636
Antofagasta 2015
Nesta posição, após efetuar a jogada 25.Da4, meu adversário ofereceu empate. Objetivamente a posição é igualada, mas imaginei que ainda podia lutar pela vitória. Depois de 25…h4 (é questionável a necessidade deste lance) 26.h3 resolvi criar ameaças no flanco rei com o tenebroso 26…Dg5??, lance totalmente superficial. Após 26…Ted6 27.Ta8 a partida deve terminar em empate, ainda que só as pretas teriam alguma chance prática.
A partida seguiu 27.Td1! e, para meu horror, descobri que as ameaças criadas com a torre de a7 são bastante desagradáveis. Incapaz de mudar a mentalidade de “ataque” para “defesa”, minha posição foi ficando cada vez pior e acabei derrotado. Veja a partida completa clicando aqui.
O problema não era o fato de ficar mal colocado no torneio, mas sim que essa partida atrapalhasse meus planos para o torneio mais importante, que viria a seguir. Felizmente consegui me recompor e vencer o Campeonato Brasileiro, que começou logo depois. Analisei mentalmente meus erros e criei motivação para tentar jogar melhor, o que felizmente aconteceu.
É preciso entender que a derrota faz parte do processo, por mais dolorosa que seja. Devemos espairecer, tentar dormir bem e estar pronto para fazer o melhor no dia seguinte. No geral, quanto antes você deixar o passado para trás durante um torneio, melhor. Isso também é importante se você deixou passar um lance ganhador e se dá conta disso durante ou após a partida. Depois da competição é importante analisar seus erros e tomar as devidas providências. Durante o evento, o melhor é olhar apenas para a frente.
Como enfrentar a tensão?
A tensão em uma partida de xadrez é enorme e variada, mas tratarei aqui de dois casos específicos:
1- Tensão ao enfrentar um adversário mais forte:
Muitos enxadristas jogam bastante abaixo do seu nível habitual quando jogam contra alguém de maior rating. Isso é normal e em muitos casos acaba quando se ganha experiência. Mas, para muitos, essa é uma barreira difícil de ser superada. Alguns jogam descaradamente para empatar ou são incapazes de recusar uma oferta de empate. Isso leva a uma situação muito confortável para seu adversário. É preciso se acostumar a jogar sempre para vencer (caso a oportunidade ocorra, é claro). Um bom exemplo da minha experiência foi minha partida contra Lautier, no Campeonato Mundial de 2000.
Lautier,J. 2648 x Leitão,R. 2567
Nova Delhi 2000
Nesta complexa posição, meu adversário ofereceu o empate. Não vou negar que pensei em aceitar. Era a primeira partida do “match”, com as peças pretas, e meu adversário possuía um currículo e rating bem superiores, tendo inclusive derrotado Kasparov mais de uma vez. Mas um enxadrista precisa estar pronto para a luta. Com o otimismo natural dos meus 20 anos e me sentindo confiante com o rumo da partida até então, decidi jogar pela vitória. A decisão provou-se acertada e consegui vencer a partida e o match (este foi o meu melhor desempenho nos mundiais em formato eliminatório, tendo chegado às oitavas de final). Veja partida clicando aqui.
Para os meus alunos em processo de desenvolvimento, costumo recomendar uma solução radical para o problema: não oferecer ou aceitar o empate a não ser que a posição esteja totalmente empatada. Isso é importante para formar um caráter de lutador – mais tarde, com o caráter já formado, é possível flexibilizar o tema do empate de comum acordo.
2- Tensão durante o apuro de tempo:
Ficar com pouco tempo é algo a ser evitado sempre que possível. Mas, mesmo com o treinamento adequado, você se encontrará em algum momento tendo que tomar decisões com pouco tempo. E, para muitos, isso é sinônimo de batimentos cardíacos acelerados, tremor nas mãos e “capivaradas” no tabuleiro.
Este é um dos casos em que é importante ter prática em partidas rápidas. O caminho mais fácil é jogar na internet. Quem disse que jogar online é perda de tempo? Se você tiver experiência em tomar decisões rapidamente ou se treinar este aspecto do jogo ao praticar na internet, você naturalmente ficará mais calmo durante a partida.
Como ganhar confiança?
Nossa força enxadrística durante um torneio é muito afetada por nossa confiança. Há torneios em que nos sentimos invencíveis, prontos para qualquer batalha. Nestes momentos podemos jogar muito acima do nosso desempenho habitual. Da mesma maneira, se estamos sem confiança, o que se reflete na falta de coragem em tomar decisões agudas, uma tendência a jogar mais sólido, no hábito de recalcular variantes várias vezes (por medo de ter deixado passar alguma jogada) e por aí vai. Essa insegurança também deixa – geralmente – nosso jogo mais lento.
Conheço um jogador acima de 2700 que decidiu melhorar sua força tática pouco antes de um torneio. Para isso, tentava resolver alguns exercícios de cálculo extremamente complexos. O mau resultado nas soluções abalou sua confiança de tal forma que ele jogou o torneio abaixo do seu potencial. Portanto, muito cuidado ao fazer algo que possa afetar sua confiança nas vésperas de uma competição!
É possível, inclusive, seguir o caminho inverso. A resolução de exercícios táticos simples, um pouco abaixo do nível de complexidade que você está habituado, podem servir como aquecimento mental e aumentar sua motivação antes das partidas. Esse tipo de exercício é recomendado até mesmo no dia das partidas, se utilizado com moderação.
Faça uma análise detalhada das suas partidas e veja que tipos de “erros mentais” você costuma cometer. E treine não apenas a parte puramente técnica. O resultado será um grande aumento na sua força prática.
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Obrigado por este post me levou a outro nivel
Que legal ler algo de um GM! Foi GM com 18 anos!
Meu nick no FICS é Anarquico. E tenho 1300 de rating na categoria Blitz. 1400 na lighting. E, embora eu só tenha jogado aproximadamente 80 partidas na Standard, tenho 1600.
Já fui 1500 na Blitz, e é a categoria que mais jogo. Estou por fora dos grandes nomes do xadrez.
Eu considero o xadrez muito elitista. Não é para pobres. Te obrigam a ser sócio de algum clube, para jogar. A internet me fez ser jogador de xadrez, sem ela, eu teria que implorar por migalhas.
Me pergunto quanto de grandes jogadores não o são, por serem pobres e não poderem pagar um clube.
No Rio de Janeiro os clubes de xadrez estão dentro de clubes de outras coisas, e temos que ser sócios do clube todo para jogarmos.
Gostei das suas dicas. Sinto dificuldade de jogar no tabuleiro real, pois, acho muito diferente de jogar no computador. Gostaria de uma dica quanto a isso. Abraços!