Grandes Enxadristas: A História de David Bronstein

    Contexto histórico

    Com a morte do campeão mundial Alexander Alekhine em 1946, foi realizado um match torneio em 1948 para definir o sucessor. A primeira parte da competição pelo título mundial foi disputada em Haia, na Holanda, e o encerramento ocorreu em Moscou, na União Soviética. O soviético Mikhail Botvinnik conquistou o título, seguido pelos compatriotas Vasily Smyslov  e Paul Keres. Samuel Reshevsky, dos Estados Unidos, e o ex-campeão mundial Max Euwe (Holanda) também abrilhantaram o evento.

    Após conquistar a coroa, Botvinnik dedicou-se ao doutorado em engenharia, ficando três anos de fora dos tabuleiros. Nesse período afastado, uma nova geração de fortes enxadristas soviéticos surgiu, sob a liderança de David Bronstein. Em 1951, Bronstein – com 27 anos – era o desafiante de Botvinnik (40 anos) ao título mundial.

    Botvinnik x Bronstein – 1951

     

    Como David Bronstein chegou ao topo

    Oriundo de Kiev, na Ucrânia, Bronstein surgiu dos ensinamentos de Konstantinopolsky. A região também abrigava outro candidato ao título mundial, Isaac Boleslavsky. Em 1944, com apenas 20 anos, Bronstein disputou seu primeiro grande torneio, o campeonato soviético. Na ocasião, o inexperiente enxadrista terminou na 15ª colocação, mas venceu Botvinnik.

    Com uma evolução meteórica, em 1946 Bronstein fez 10,5 em 12 no match Moscou-Praga com duas vitórias magistrais, contra Pachman e Zita, popularizando a Defesa Índia do Rei. “Eu fiz com que a Índia do Rei fosse famosa! Creio que, em qualquer caso, ela teria se tornado famosa, mas aconteceu que estas partidas constituíram o boom que deu passagem ao xadrez moderno”, afirmou Bronstein.

    Livro com as partidas de David Bronstein na Defesa Índia do Rei

     

    Em 1948, o enxadrista ucraniano venceu de forma invicta o Interzonal de Estocolmo, classificando-se para o Torneio de Candidatos. Em 1950, Bronstein compartilhou a primeira colocação em Budapeste com Boleslavsky, na frente de Smyslov, Keres, Najdorf, Kotov, Stahlberg, Lilienthal, Szabo e Flohr, um verdadeiro sucesso da escola de Kiev!

    Como Bronstein e Boleslavsky terminaram o Torneio de Candidatos empatados, ambos deveriam disputar um match em 10 partidas para definir o desafiante de Botvinnik. O empate persistiu com duas vitórias para cada lado e seis empates. Depois, mais duas partidas adicionais e, novamente, mais dois empates. Por fim, acordou-se que o primeiro a ganhar uma partida seria o desafiante. No 14º confronto, vitória de Bronstein e duelo finalizado em 7,5 x 6,5.

     

    O match com Botvinnik

    Bronstein jogava um xadrez dinâmico, deixava as posições tensas e Botvinnik tinha sérios problemas com o relógio. Ou seja, estava claro que apesar da desconfiança de todos, incluindo o próprio Bronstein, o campeão mundial poderia ser derrotado.

    No início, quatro empates. Na quinta partida Botvinnik ruiu e o desafiante assumiu a liderança. O match estava cada vez mais interessante, porém, com um erro garrafal em um final simples, Bronstein perdeu de forma bisonha a sexta partida.

    “Acidentalmente, toquei o rei. Fui forçado a movê-lo… Após a resposta parei o relógio com um sorriso, sem fazer qualquer tragédia do ocorrido: eu sempre soube perder e considero isso uma qualidade integral de um verdadeiro enxadrista”, afirmou Bronstein sobre aquele fatídico jogo.

    O match seguiu emocionante e após a 22ª partida, de um total de 24, Bronstein liderava o placar por 11.5 x 10.5. Há dois jogos do fim, Bronstein seria campeão do mundo com dois empates. “Adiante! Frieza e pressão! A pátria-mãe está em perigo!”, afirmou Botvinnik nesse momento.

    Na 23ª partida, Bronstein poderia haver forçado o empate em algumas ocasiões, porém, Botvinnik estava apurado no tempo e Bronstein não resistiu à tentação de ganhar um peão e lutar pela vitória. No fim, o par de bispos de Botvinnik foi superior e o match ficou igualado 11.5 x 11.5.

    Agora, no último embate só a vitória interessava para Bronstein. O empate no match manteria a coroa com Botvinnik. Como o match inteiro havia sido muito tenso e com muita luta, tudo era possível. Porém, Botvinnik igualou rápido e o empate foi selado em apenas 22 jogadas. No fim, Bronstein bateu na trave: 12 x 12 e título com Botvinnik, uma grande disputa!

     

    Por que David Bronstein não foi campeão mundial

    Assim como aconteceu com Paul Keres em 1948, havia rumores de que Bronstein fora obrigado pelo governo soviético a não vencer Botvinnik. Para entender tal desconfiança é preciso conhecer a história da família Bronstein.

    David nasceu em 1924, ano da morte de Lenin, com um triplo problema: era judeu ucraniano, primo de segundo grau de Trotski e seu pai era considerado um “inimigo do povo”, sendo preso em 1937. No início da guerra, David foi convocado para o front, mas conseguiu se manter distante da luta armada por problemas de visão.

    Sua família conseguiu fugir de Kiev antes da chegada dos alemães. David só retornou para casa em 1943. Depois de sete anos no gulag ártico, com a vida por um triz, seu pai também voltou para casa. Para o autor Daniel Johnson: “encurralados entre Stalin e Hitler, foi algo extraordinário que família Bronstein tenha sobrevivido”.

    De fato, Botvinnik era o “patriarca do xadrez soviético” e Bronstein era “filho de um inimigo do povo”. Essa rejeição a Bronstein já havia ficado nítida quando a Federação Soviética de Xadrez não indicou o jovem Grande Mestre para os torneios de Groningen (1946), Memorial Chigorin (1948) e para o próprio Interzonal de 1948, para o qual Bronstein se classificou pela lista da FIDE.

    Além disso, durante o match com Botvinnik, o pai de Bronstein subornou um chefe de polícia com 45 quilos de farinha e conseguiu entrar em Moscou para assistir o filho. Próximo a ele estava Viktor Abakumov, um dos homens mais temidos da Rússia, responsável pela campanha antissemita de Stalin. A imprudência do pai poderia ser um motivo fácil para Bronstein desistir do match, a fim de evitar maiores punições.

    “A única coisa que estou preparado para dizer é que fiquei sujeito a forte pressão psicológica de várias fontes e que dependia de mim ceder ou não à pressão. Vamos deixar assim”, afirmou Bronstein, sem ser muito claro, em sua autobiografia.

    Viktor Malkin era um amigo de ambos e afirmou sem titubear: “Mikhail é um homem bastante orgulhoso”, sobre um possível consentimento com tal fraude. Já Andrew Soltis declara que, em realidade, Abakumov estava “assistindo o match como um fã de Bronstein”.

    Garry Kasparov busca outros motivos para Bronstein não ter conquistado o título: “Ainda que Bronstein merecesse ganhar, de algum modo carecia do necessário autocontrole… Perder finais empatados é um luxo em um match pelo campeonato do mundo. Um luxo imperdoável! Botvinnik não jogava com tanto brilhantismo, porém seu jogo era mais estável e foi superior a seu oponente nas análises das posições adiadas. Por consequência, pode-se considerar que o resultado do match foi correto”.

    Bronstein jogando com bandeira soviética

     

    Outras tentativas de lutar pelo título mundial

    No Torneio de Candidatos de Zurique, em 1953, Bronstein compartilhou a segunda colocação, atrás do campeão Smyslov. No entanto, cabe ressaltar que o enxadrista ucraniano escreveu um excelente livro analisando as partidas da competição.

    No Torneio de Candidatos de Amsterdã, 1956, Bronstein terminou na sexta colocação e Smyslov mais uma vez foi o desafiante. A partir de então, surgiu uma regra que não permita muitos jogadores do mesmo país em um Torneio de Candidatos, o que prejudicou os Grandes Mestres Soviéticos.

    Bronstein não conseguiu se classificar para o Torneio de Candidatos de 1959 e de 1962. Contudo, a regra mencionada retirou sua vaga no torneio de 1965. Depois disso, David não tentou a vaga nos Interzonais para os Torneios de Candidatos de 1968 e de 1971. Seu retorno aconteceu no Interzonal de 1973, em Petrópolis, no Brasil. O veterano Bronstein foi o sexto colocado na competição vencida por Mecking.

    Depois, o enxadrista não entrou mais na luta pelo título mundial. David Bronstein faleceu em 2006, aos 82 anos, em Minsk, na Bielorrússia.

     

    O que você acha sobre o desenlace do match Botvinnik x Bronstein, houve algum tipo de manipulação? Deixe sua opinião nos comentários.

     

    Referências Bibliográficas:

    Garry Kasparov, Meus Grandes Predecessores – Volume II.

     


    2 Responder para “Grandes Enxadristas: A História de David Bronstein”

    • Chico

      grande postagem, historia muito bem contada. fischer era fã desse cara e cita varias vezes o nome dele no livro. em algumas orientaçoes ele fala "bronstein sugeriu.. " era um cara muito criativo, que adorava partidas de xadrez relampago. foi bastante perseguido pelo partido comunista... e literalmente impedido de ser campeao mundial. tanto ele como korshcnoi.

      parabens..

      • Luiz Gustavo

        Muitos gênios envolvidos, a influência política interfere sim...

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