Se formos vasculhar a base primordial que compõe o DNA enxadrístico de um Alexei Shirov; de um Baadur Jobava; de um Richard Rapport; e até mesmo do nosso GM Alexandr Fier; encontraremos, sem sombra de dúvidas, resquícios genéticos do imortal Mikhail Tal (1936-1992) – assim como encontraríamos em Tal alguma coisa de Adolf Anderssen e Paul Morphy…
Mikhail Tal, o “mago de Riga”
Tal foi uma das maiores maravilhas que o xadrez moderno conheceu. Não é à toa a alcunha que ganhou: “o mago de Riga” (Riga, capital da Letônia, terra natal do ex-campeão mundial). Seu estilo caótico, hiperagressivo, realmente quase mágico, combinava com sua personalidade forte – e de uma ironia e sagacidade deliciosa. Dica de leitura preciosa: a (auto)biografia de Mikhail Tal, Al Ataque, com suas histórias fantásticas e partidas emocionantes, é leitura mais do que obrigatória. Para aguçar a leitura: durante determinada partida, numa posição crítica de meio-jogo, “o mago de Riga” começa a se questionar sobre como seria possível retirar um hipopótamo de um pântano (a estapafúrdia dúvida surgiu, pois não sabia da cabeça de Tal um famoso poema infantil russo em que surgia tal dúvida). Guindastes? Cordas? Helicóptero? Depois de muito pensar, e muito tempo perder no relógio, Tal não consegue chegar a nenhuma conclusão e, já impaciente, pensa: “Que se afogue!”. E sacrifica um cavalo…
Al ataque
Sendo figura tão sublime no panteão enxadrístico de todos os tempos, o já consagrado Memorial Tal, desde 2006, costuma ser um dos torneios mais aguardados do ano na Rússia. E em todo o mundo, claro. E desta vez não foi diferente: Vladimir Kramnik (2808); Levon Aronian (2795); Viswanathan Anand (2776); Shakhriyar Mamedyarov (2761); Anish Giri (2755); Li CHao (2746); Peter Svidler (2745); Boris Gelfand (2743); Ian Nepomniachtchi (2740); e Evgeny Tomashevsky (2731), formaram o time escalado para honrar a memória de Mikhail Tal.
Antes do torneio principal, como tradicionalmente acontece, um animado torneio blitz, em 9 rodadas, serviu para aquecer os motores. O campeão foi Shakhriyar Mamedyarov, “o lenhador”, com expressivos dois pontos de vantagem em cima do segundo colocado, O armênio Levon Aronian. Destaque negativo para a última colocação de Viswanathan Anand.
1 | Shakhriyar Mamedyarov | 7,5 |
2 | Levon Aronian | 5,5 |
3 | Ian Nepomniachtchi | 5,5 |
4 | Peter Svidler | 5,5 |
5 | Anish Giri | 5,5 |
6 | Vladimir Kramnik | 4,5 |
7 | Boris Gelfand | 3,5 |
8 | Evgeny Tomashevsky | 3 |
9 | Chao Li | 3 |
10 | Viswanathan Anand | 3 |
“NEPO”: GRANDE FASE
No evento principal o grande herói foi Ian Nepomniachtchi. “Nepo”, que já havia obtido um desempenho sensacional nas olímpiadas, manteve a grande fase e venceu de maneira convincente o torneio. Seu arranque inicial foi impressionante: 4,5 pontos em 6 partidas. A vitória de brancas contra Tomashevsky, na primeira rodada, por exemplo, foi uma verdadeira “varrida”: as pretas, praticamente, não conseguiram sair da abertura. (clique aqui e veja esta partida analisada pelo nosso GM Rafael Leitão). Na terceira rodada a vítima foi o ex-campeão mundial Vladimir Kramnik e na sexta “o lenhador” Mamedyarov.
Acredite: é só a cara de bonzinho…
Ao final, com 6,0 pontos, em 9,0 possíveis, o GM russo somou 3 vitórias e 6 empates – com uma performance de 2882 e mais 18 pontos de rating. Em entrevista para um jornal russo, “Nepo” resumiu assim a sua conquista:
O torneio foi muito forte. Já fazia muito tempo que eu não participava destes eventos e, geralmente, não tenho muitas oportunidades para jogar torneios fechados tão fortes. Este foi, provavelmente, o torneio mais forte da minha vida. E isso é duplamente bom, pois consegui jogar com alguma estabilidade.
Sobre os momentos mais importantes do torneio, além da sua meta daqui para frente, o campeão disse:
Minha primeira vitória, claro. Evgeny Tomashevsky é um forte enxadrista e é muito difícil superá-lo. Após este sucesso, comecei a me sentir mais confiante. Consegui vencer Vladimir Kramnik no apuro de tempo – momento em que o meu adversário perdeu uma posição defensável. E também foi satisfatório ganhar um jogo de primeira categoria contra Shakhriyar Mamedyarov. […] E se você jogar xadrez toda a sua vida, você terá alguns objetivos. Meu objetivo principal é entrar no circuito para o Campeonato do Mundo. Aliás, esta boa classificação vai me ajudar muito neste sentido… Eu espero que os organizadores comecem a prestar mais atenção em mim. Eu realmente gostaria de jogar em mais torneios fechados e, agora, eu consegui demostrar que me não saio tão mal participando de eventos assim.
O segundo lugar ficou com o holandês Anish Giri, com 5,5 pontos. Giri meio ponto atrás de “Nepo” muito por conta da derrota sofrida frente a Levon Aronian, terceiro lugar (clique aqui e veja a bela vitória de Aronian em cima do sólido Giri).
Levon Aronian (3º), Anish Giri (2º) e Ian Nepomniachtchi (1º)
Anand, recuperando-se do último lugar no blitz, acabou fazendo um bom torneio – e parece que as garras do “tigre de Madrás” ainda continuam afiadas (como ver, clicando aqui, na vitória do ex-campeão mundial contra Mamedyarov).
E falando em garras, o a atuação do outro ex-campeão mundial que abrilhantou o evento, Kramnik, acabou deixando a desejar. Apesar da bela vitória em cima de Anand (aqui), Vlad foi não só superado no apuro de tempo contra “Nepo”, como já dito, como acabou perdendo uma partida atípica para “o lenhador” Mamedyarov na última rodada (aqui).
Não quero nem ouvir…
Ainda assim, Vladimir Kramnik segue como segundo do mundo – atrás apenas do Campeão Mundial Magnus Carlsen.
A tabela final ficou assim:
Até onde poderá chegar Ian Nepomniachtchi (atual 16º do mundo)? Só o tempo dirá…
FONTES
Escrito por Equipe Academia de Xadrez Rafael Leitão 10.10.2016
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