18 Anos do Meu Bicampeonato Mundial

    No dia 02 de novembro de 2014, a conquista do meu segundo título mundial completou 18 anos e, para comemorar essa data, resolvi compartilhar com vocês a minha visão deste que foi um dos principais momentos da minha carreira e da minha vida.

    A conquista desse título nasceu, certamente, quando tomei a difícil decisão de me mudar para a cidade de Americana, no interior de São Paulo, em 1995, aos 15 anos de idade.

    Hoje, essa mudança talvez não tivesse sido necessária, tanto que vivo atualmente na minha cidade natal, São Luís-MA. Mas naquele tempo, em que não tínhamos internet, era imprescindível para o desenvolvimento da minha carreira estar perto dos torneios mais importantes e dos melhores jogadores do país.

    Foi então que comecei a treinar com o enxadrista brasileiro nº 01 da época, o Grande Mestre Gilberto Milos. Foi a junção de um jogador extremante talentoso, com um vasto conhecimento do jogo de xadrez, e um aluno focado, com muita vontade de aprender e apaixonado pelas 64 casas.

    GMilos ia à cidade de Americana regularmente por períodos que duravam vários dias e, após o horário da escola, nós iniciávamos as nossas sessões de estudo. Nossa técnica de treinamento consistia basicamente na análise de posições: eu sugeria a jogada e ele refutava. Foi tentando entrar nos pensamentos do Milos e então entender como funcionava o raciocínio de um Grande Mestre que os resultados começaram a aparecer.

    O fato é que após um bom período treinando com o Milos e colhendo os frutos com um considerável aumento do meu rating, eu participei do Campeonato Mundial sub-16, na cidade Guarapuava/PR, em 1995.

    O cenário desenhado à época era o seguinte: mudança de cidade para melhorar meu jogo, treinamento intenso que já estava rendendo frutos, segundo ano de categoria e torneio no Brasil. Tudo isso me fazia acreditar que eu tinha reais chances de ser bicampeão mundial!

    Durante o torneio, após algumas vitórias em sequência, eu perdi para o russo Motylev, mas isso não me tirou a vantagem de na última rodada depender apenas da minha vitória para ser mais uma vez campeão do mundo.

    E na última partida, de brancas contra o jogador da Albânia, Dervishi (hoje também GM, assim como todos os primeiros colocados nessa competição), após 5 longas horas, apesar de jogar todo o tempo com a iniciativa e com a vantagem, o meu adversário conseguiu defender e então, nos dois minutos finais, chegou o doloroso momento de perceber que o empate seria inevitável e o tão esperado bicampeonato mundial não viria.

    Com o empate, o título ficou para o croata Stevic e eu fiquei com o amargo segundo lugar.

    Não tenho dúvidas em dizer que este foi o dia mais triste de toda a minha carreira enxadrística, a ponto de não conseguir manter a minha habitual frieza e ser tomado pela emoção. Assim que terminou a partida, saí imediatamente para o quarto do hotel, quase sem forças para ir à cerimônia de encerramento.

    Fiquei inconsolável por dias, sem querer sequer olhar um tabuleiro de xadrez à minha frente. Foi um momento de repensar a vida, a decisão de ter saído de casa aos 15 anos e meu futuro profissional.

    Contudo, felizmente, o meu amor ao xadrez falou mais alto e logo eu estava novamente treinando com o Milos e jogando torneios.

     

    bicampeonato mundial xadrez rafael leitão

     

    No ano seguinte, em 1996, fui disputar o Campeonato Mundial em Menorca, na Espanha, sem grandes pretensões. Aos 16 anos, era o meu primeiro ano de categoria no disputadíssimo torneio sub-18.

    Mas a vida reserva surpresas inacreditáveis! E foi o que aconteceu nessa competição.

    O universo conspirou a meu favor e toda a minha preparação se encaixou. Certo dia, mais precisamente na minha partida contra o grego Banikas, ao retornar para o quarto do hotel, vi que o tabuleiro – com o qual havia preparado com o Milos – estava montado na exata posição em que terminou a minha partida (empate com as peças pretas).

    Durante o torneio tive duros embates, vencendo 5 partidas e empatando 6.

    Na primeira rodada, ganhei de pretas do Misa Pap (Sérvia), que atualmente é GM e tem 2.473 de rating. Na segunda, ganhei de brancas do hoje MI Hao Yin (China), com atuais 2.583 de rating.

    Na terceira partida, empatei de pretas jogando contra o hoje Grande Mestre Hristos Banikas (Grécia), que tem elo atual de 2.637 pontos. Na quarta, nova vitória de brancas, desta vez contra Azer Mirzoev (Azerbaijão), atualmente Grande Mestre com 2.549 de rating.

     

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    assinatura xadrez

     

    Na quinta rodada, empatei de brancas jogando contra Vlamidir Malakhov (Rússia), que hoje é GM com 2.708 de rating. Na sexta partida, outra vitória de pretas, contra o hoje GM de 2.396 de elo, Jurij Tihonov.

    Na sétima, empate de brancas contra Brian Kelly (Irlanda), atualmente MI com 2.480 de rating. Na oitava rodada, um empate de pretas contra Mikhail Kobalia (Rússia), que também é atualmente GM, com 2.632 de rating.

    Na nona rodada, um duelo brasileiro. Empatei de pretas contra o hoje Grande Mestre Giovanni Vescovi, que possui 2.606 de rating, embora inativo. Na décima partida, ganhei do hoje GM Tal Shaked (Estados Unidos), que tem atuais 2.468 pontos de rating.

    Na décima primeira e última rodada, desta vez o empate de pretas contra Dao Thien Hai (Vietnam), que atualmente é GM com 2.482 de rating, foi suficiente para me sagrar vencedor do torneio. O russo Mikhail Kobalia ficou em segundo lugar e o grego Hristos Banikas ficou com a terceira colocação.

    Foi então que, após um ano do dia mais triste da minha carreira, eu vivi aquele que foi o mais feliz dia da minha trajetória enxadrística: finalmente eu conquistava o bicampeonato mundial de xadrez!

    A história desse título tem uma mensagem muito positiva, que eu procuro passar aos meus alunos e em algumas palestras motivacionais que ministro Brasil a fora.

    Ao atingir a maior idade – acompanhada da consequente maturidade que só o tempo é capaz de dar -, essa história revela sua lição de forma ainda mais clara para mim e espero que todos vocês também possam compreendê-la: “nossos sonhos só são alcançados com paixão, dedicação e perseverança”.

     

    GM Rafael Leitão

     

    3 Responder para “18 Anos do Meu Bicampeonato Mundial”

    • William maia

      Parabéns mestre, foi um titulo muito importante para você e para o xadrez de nossa pátria, mais importante ainda a mensagem deixada que é igual ao qual eu acredito e sigo " COM AMOR, DISCIPLINA E TRABALHO DURO CONQUISTAMOS NOSSOS OBJETIVOS" eu ainda batalho para conquistar o titulo de campeão aqui da minha cidade,, a titulo nacional não é nada, mas para minha realização pessoal é muito importante. Apesar de já estar com 45 anos vou conquistar esse titulo, tenho evoluido ano após ano,, os resultados práticos estão aparecendo e acho que em 2017 chego lá, também passo esse legado para as crianças e jovens que frequentam nosso clube, um abraço. William Maia

    • Wágner Tôrres

      Belo relato Rafael! Um título único para o xadrez brasileiro!

    • Rodolfo Polonio

      Parabéns Campeão Mundial de Xadrez!!!

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