E chegamos ao final do Campeonato Mundial de Xadrez. Magnus Carlsen e Sergey Karjakin durante todo o mês de novembro proporcionaram um grande e inesquecível espetáculo para seus fãs e espectadores.
E o diverso número de empates, com algumas partidas realmente pacíficas, não tiraram o brilho do encontro. Pelo contrário: a insistência de Carlsen e a frieza de Karjakin (além da sua impressionante habilidade defensiva) serão lembradas durante muito tempo. Em suma: vimos a história sendo escrita diante dos nossos olhos, prezados leitores. E fomos privilegiados!
PRIMEIRA PARTIDA
A primeira partida do desempate já trouxe a marca registrada do match: a eterna abertura Ruy Lopez (ou Espanhola). Num jogo muito equilibrado, Karjakin, de brancas, não conseguiu criar grandes dificuldades para Carlsen. Empate relativamente rápido e sem riscos. Era a calmaria antes da tormenta…
SEGUNDA PARTIDA
A segunda partida trouxe a emoção que estávamos esperando. Carlsen, com a também badalada no match, Giuco Piano (ou Italiana), conseguiu encontrar uma sequência muito precisa na transição da abertura para o meio jogo e impôs uma incômoda pressão a Karjakin – que ia se apurando no tempo. Após uma troca de duas peças por torre para as brancas, Karjakin resolveu devolver o peão a mais e entrar no difícil, mas interessante, final de torre contra par de bispos.
Com três peões para cada lado, e na mesma ala, a tarefa de Magnus para transpor aquela fortaleza não seria fácil… E não foi. Enquanto Karjakin esperava, Magnus fez quase tudo que era possível para melhorar sua posição e tentar quebrar a barreira das pretas. Após as brancas sacrificarem um peão (talvez não fosse necessário, mas enfim…), parecia que as brancas estavam chegando perto da vitória… Mas uma mínima imprecisão e a já referida astúcia defensiva de Karjakin se fez novamente presente (78…h5! e 79…f5!) decretaram o empate.
Vale o ditado: “determinados empates valem mais do que mil vitórias”!
As análises do GM Rafael Leitão serão publicadas amanhã, na seção partida do dia. O grande mestre nos comentou que encontrou ao menos 3 momentos em que Magnus ganhava matematicamente esta partida. Vamos esperar pra ver…
TERCEIRA PARTIDA (clique aqui)
Na terceira partida Karjakin repetiu o esquema que havia empregado na Ruy Lopez anteriormente (8.a3 e 9. Cc3). E Magnus também repetiu a ideia da segunda partida (9… Ca5 e 10…Be6). Mas desta vez Karjakin preferiu mudar (11.b4) e após 12.Cd5 chegamos a uma posição parecida com a da partida 11. Contudo, após algumas trocas no centro, após 16…f4, as pretas aparentavam ter conseguido uma posição muito confortável e cheia de possibilidades na ala do Rei. E o jogo das brancas na ala da dama não conseguiu ser suficiente para contra-jogo. As pretas estavam bem. Tão bem que após a troca 29.Cxf6, todos esperavam 29…gxf6 e um ataque vigoroso que decretaria o resultado.
Mas para a surpresa de todos, Magnus escolheu o singelo 29… Bf6. E, segundo as engines, a posição estava voltando para a igualdade. Contudo… as avaliações do computador enganam muito. A igualdade material ou as vantagens dinâmicas são muito relativas no “confuso” cérebro humano. O sacrifício de peão com 30…e4, segundo as engines, seguia com a igualdade. Mas humanamente falando, a defesa da posição branca é angustiante – e o jogo das pretas muito mais fácil (e lógico). Num apuro de tempo, isto faz toda a diferença. A combinação das peças de Magnus no ataque (Dama + Cavalo e torre na sétima) foi decisivo.
O erro de Karjakin com 38.Txc7 (permitindo 38…Ta1) é mais do que compreensível. Até para o “Campeão Mundial da Defesa” (como foi chamado, via Twitter, pelo GM holandês Anish Giri) há um limite. Vitória de Carlsen.
QUARTA PARTIDA (clique aqui)
Pela primeira vez no match Karjakin estava sendo pressionado a vencer desde o início. E a escolha da Defesa Siciliana (pela primeira vez no match) veio ao encontro desta necessidade. Mas o 5.f3 de Magnus já mostrou que a coisa não seria fácil – o norueguês não estava afim de grandes complicações, claro. E, por exemplo, uma estrutura a la Maroczy seria uma boa alternativa.
O jogo de Karjakin foi interessante desde o início: assumindo riscos e tentando jogar nas duas alas. Mas Carlsen segui também impondo seu jogo (até aceitando sem medo o peão oferecido 29.gxh4) e a posição ficava cada vez mais difícil para se forçar alguma coisa. Após sacrificar a qualidade (jogada única para seguir com alguma esperança) Karjakin tentava simular um ataque no Rei branco, enquanto o seu próprio corria perigo. Na troca de golpes o último, fulminante soco foi da Magnus.
Quanta simbologia em um único lance(!): 50.Dh6!
Muitos se lembraram da semelhança do lance Dh6 em determinada vitória de Kasparov em cima de Karpov em um dos lendários matchs entre os dois gigantes. Entretanto, ainda que muitos digam que Carlsen seja um discípulo do “ogro de Bakú”, a verdade é que o jovem norueguês vai escrevendo de forma particular e muito pessoal seu nome no panteão dos Campeões Mundiais. Filho do seu tempo, muitas partidas podem não ter a iniciativa vistosa de um Kasparov, nem a harmônica sutileza posicional de um Karpov. E nem devem ter. Elas possuem já sua própria assinatura. “Vitória a la Carlsen” já faz tanto sentido quanto uma combinação “a la Tal”.
Vida longa ao Rei!
COLETIVA DE IMPRENSA
Na coletiva de imprensa, além da alegria do novo (velho) Campeão Mundial, foi impossível ficar indiferente a toda a cordialidade e educação de Karjakin. Sem dúvida nenhuma o desafiante ganhou diversos fãs depois do encontro – não apenas pelo xadrez apresentado, mas pela figura humana e desportiva. Um exemplo.
Sobre o momento mais crítico do match (em sua opinião) e a sua preparação, Karjakin disse:
“Certamente, foi muito importante quando deixei passar Cxf2 na partida em que perdi e foi seguramente o momento crítico do encontro. Ainda assim, não quero dizer que Magnus teve sorte. Ele estava basicamente ganho na terceira e quarta partida. Tentarei melhor meu jogo.”
“Gastei muito tempo preparando contra Magnus, mas não funcionou já que ele estava mudando as aberturas e realmente não usei minha preparação. Devo admitir que algumas vezes esqueci completamente minha preparação e misturei tudo – tanto nas clássicas quanto nas rápidas. Havia muitas coisas que preparar e não consegui lembrar-me de tudo. Talvez tivesse sido melhor estar com a cabeça fresca.”
Já Carlsen, obviamente em êxtase, agradeceu e elogio seu adversário – deixando claro o quão duro havia sido o match. Ao final, o Campeão Mundial respondeu sobre a decisão de levar as partidas para o desempate das rápidas (matando a nossa dúvida da notícia anterior):
Sentia que era uma vantagem eu não ter que pensar muito sobre a 12ª partida e ele sim. Além disso, minha cabeça estava trabalhando cada vez melhor e ele, quem sabe, jogando um pouco pior. Assim que teria sentido jogar quatro partidas em vez de uma. Além disso, era um alívio jogar um pouco mais rápido depois destas semanas!
FIM
E acabou. Nós d´Academia de Xadrez Rafael Leitão gostaríamos de agradecer a todos aqueles que acompanharam, e comentaram, as notícias. Nossos esforços são não apenas informar o melhor do xadrez brasileiro e mundial, mas, sobretudo, de proporcionar uma visão “diferente” deste nosso universo tão particular (e infinito!) que é o xadrez. Muito obrigado!
E Habemus… Magnus!
FONTE
Escrito por Equipe Academia de Xadrez Rafael Leitão 02-11-2016
Parabéns pelas crônicas!!
Obrigado, Rafael!
Vocês foram fantásticos na cobertura do evento! Parabéns.
Obrigado, Tarcísio!
Obrigado Rafael Leilão pelas críticas durante o match. Realmente sou também mais um fã de Karjakin.Pela desportividade e principalmente pelo altíssimo nível de jogo apresentado. Levou o match para o tie-break em pé de igualdade com Carlsen, que jogou melhor no tempo rápido. Neste mundial vimos que ninguém é invencível.
Obrigado, Lucas!
Me senti presenteado com as cronicas e gostaria muito de poder estudar xadrez com vcs