“ Os peões são a alma do xadrez” – André Philidor.
Uma das partidas mais interessantes do Campeonato Europeu 2016 demonstrou que a máxima de Phillidor (um dos maiores gênios da história da humanidade e disparado o melhor jogador do mundo em sua época) é mais do que apenas um jogo de palavras. Naturalmente, conhecemos inúmeros casos que demonstram a força de um peão passado, mas neste artigo vou destacar a força avassaladora de uma estrutura de peões, que nestes exemplos se assemelha a uma avalanche.
Exemplo do Campeonato Europeu 2016 Vejamos, então, a partida Goganov x Najer, uma obra-prima com algumas imperfeições, mas com ideias profundas e um arremate de singela beleza. Para reproduzir a partida no tabuleiro, clique no lance. Na versão pc, o tabuleiro é ajustável nas setas laterais.
[Event "17th EICC 2016"]
[Site "Gjakova"]
[Date "2016.05.16"]
[Round "5"]
[White "Goganov, Aleksey"]
[Black "Najer, Evgeniy"]
[Result "1-0"]
[ECO "D11"]
[WhiteElo "2591"]
[BlackElo "2682"]
[Annotator "Leitão"]
[SetUp "1"]
[FEN "2kr3r/1p2bpp1/p1p5/3Pp1p1/RPPBP1P1/5P1P/6B1/R5K1 b - - 0 24"]
[PlyCount "31"]
[EventDate "2016.??.??"]
[EventCountry "KOS"]
[SourceTitle "playchess.com"]
[Source "ChessBase"]
[TimeControl "40/5400+30:1800+30"] 24... exd4 {[%emt 0:00:01] [#] Temos uma posição estrategicamente complexa
no tabuleiro. Observando os elementos posicionais, notamos a presença dos
bispos de cores opostas (que dão tendência de empate nos finais, mas
garantem uma perigosa iniciativa em caso de ataque ao rei) e uma estrutura de
peões bastante exótica. Concretamente, é possível notar que as brancas
têm a possibilidade de capturar em c6. Como sempre, é preciso calcular.} 25.
c5 $5 {[%emt 0:13:15] Um lance bastante surpreendente.} (25. dxc6 {Era muito
mais natural, mas as pretas conseguiriam empatar com jogo preciso.
Provavelmente Goganov viu esse empate e decidiu arriscar.} bxc6 26. c5 d3 $1
27. Rxa6 d2 28. Rxc6+ Kb7 29. Rb6+ Kc7 30. Rd1 Rd4 $11 {as brancas não
conseguem avançar seus peões passados e a partida termina em empate.}) 25...
Rh6 {[%emt 0:02:54] Outro lance sofisticado. A alternativa natural também
levava ao empate.} (25... cxd5 26. exd5 Rxd5 27. f4 {Parece perigoso permitir
a ativação do bispo das brancas (em posições de bispos de cores opostas,
atividade é fundamental). Entretanto, não há nada com que se preocupar: a
posição ainda está equilibrada.} (27. c6 bxc6 28. Rxa6 Rb5 $11) 27... Rdd8
28. c6 bxc6 29. Rxa6 Rh6 $1 $11 30. Ra7 Rd7 31. Ra8+ Kc7 32. R8a7+ $11 {
com xeque perpétuo.}) 26. d6 {[%emt 0:02:50]} Bf6 {[%emt 0:00:35] [#]} 27. f4
$5 {[%emt 0:06:46] Dizem que a sorte favorece os bravos. Essa partida confirma
isso, apesar de outras tantas demonstrarem o contrário. A verdade é que tudo
depende do temperamento do enxadrista: alguns são sólidos e incapazes de
jogar lances que não acreditam, de buscar complicações que consideram
incorretas. Outros são naturalmente atraídos pelo risco e farão tudo que
seja necessário para desequilibrar a posição. Qual o seu estilo?} (27.
Rd1 $11 {seria o lance “sóbrio”, com um provável empate.}) 27... gxf4 {
[%emt 0:00:18]} 28. g5 $1 {[%emt 0:00:04]} Bxg5 {[%emt 0:03:36]} 29. e5 {
[%emt 0:00:05] Essa é a ideia das brancas: sacrificar diversos peões para
abrir o bispo de g2 e conseguir uma perigosa massa de peões. O computador,
naturalmente, não se assusta. Mas durante uma partida as coisas não são
tão simples, ainda mais se considerarmos um provável apuro de tempo.} Re6 $2
{[%emt 0:05:51] [#] Najer imediatamente comete um erro. As pretas poderiam
conseguir uma pequena vantagem de diferentes formas.} (29... d3 30. Bf3 f5 $1 (
30... Kb8 $2 31. b5 $1 cxb5 32. Rxa6 $1 $18) 31. exf6 Bxf6 32. Rd1 Re8 33. Rxd3
Re1+ 34. Kg2 Rb1 $15) (29... Kd7 30. Bf3 $1 f5 31. exf6 Bxf6 $15) 30. Rxa6 $3 {
[%emt 0:02:52] Um belíssimo (ainda que temático) sacrifício.} bxa6 $2 {
[%emt 0:05:51] Como diz o ditado, um erro nunca vem sozinho. Esse lance perde
imediatamente. As pretas ainda poderiam resistir.} (30... Kd7 $1 31. Rb6 Rxe5
32. Rxb7+ Ke6 33. Bxc6 Re3 $1 {com chances de empate.}) 31. Bxc6 $18 {[%emt 0:
00:25] Os peões das brancas são assustadores e o rei das pretas não tem
tempo de fugir.} Rd7 {[%emt 0:00:41]} 32. Rxa6 {[%emt 0:00:29]} Rb7 {[%emt 0:
00:03]} 33. Bxb7+ {[%emt 0:00:54]} Kxb7 {[%emt 0:00:01]} 34. b5 {[%emt 0:00:41]
} Rxe5 {[%emt 0:01:18]} 35. c6+ {[%emt 0:00:05]} Kb8 {[%emt 0:00:06]} 36. c7+ {
[%emt 0:01:22]} Kb7 {[%emt 0:00:05]} 37. Rc6 {[%emt 0:01:30]} Re1+ {[%emt 0:00:
48]} 38. Kg2 {[%emt 0:00:42]} f3+ 39. Kxf3 {[%emt 0:00:07]} Re3+ 1-0
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Boas lembranças A partida me fez relembrar bons momentos ocorridos no longínquo ano de 2000 (lembrança seletiva, evidentemente, já que também perdi varias vezes graças aos peões do meu adversário). O meu exemplo nem de longe tem a beleza e profundidade da vitória de Goganov, mas ainda assim serve para ilustrar uma massa de peões assustadora.
[Event "Pan American-chT"]
[Site "Merida"]
[Date "2000.07.20"]
[Round "5"]
[White "Leitao, Rafael Duailibe"]
[Black "Prasca Sosa, Raphael"]
[Result "1-0"]
[ECO "C12"]
[WhiteElo "2567"]
[BlackElo "2256"]
[Annotator "Leitão"]
[SetUp "1"]
[FEN "1rb1k2r/5p2/4p1pp/3pP3/1npP1Q1P/5B1R/1qP1NPP1/2R2K2 w - - 0 24"]
[PlyCount "33"]
[EventDate "2000.07.15"]
[EventType "team"]
[EventRounds "5"]
[EventCountry "VEN"]
[SourceTitle "EXT 2001"]
[Source "ChessBase"]
[SourceDate "2000.11.22"] {[#]} 24. Qf6 {Essa partida foi jogada nos meus “bons tempos” de jogador de 1.
e4. O flanco dama branco está em perigo, mas é possível criar ameaças no
flanco rei.} Rf8 $2 {Ignorando as ameaças brancas.} (24... Rh7 {Eu lembro que,
à época, estava convencido que essa lance daria grande vantagem para as
pretas. Entretanto, a análise da posição 16 anos depois com computadores
mais potentes demonstram que as brancas têm atividade suficiente para o
equilíbrio. Uma possível variante seria:} 25. Kg1 Nxc2 26. Rd1 Qb4 27. Nf4
Qe7 28. Bxd5 $1 Qxf6 29. Bc6+ Ke7 30. exf6+ Kxf6 31. Rc3 Nb4 32. Be4 $11) 25.
h5 $1 {agora o peão de h6 está desprotegido.} Na2 $2 {[#] Agora tive a
chance de realizar um sacrifício e conseguir uma massa de peões devastadora.}
(25... g5 26. Qxh6 Na2 27. Re1 Qxc2 28. Kg1 $1 $16 (28. Qxg5 $4 Rb1 $19)) 26.
hxg6 $1 Nxc1 27. gxf7+ Kd7 28. Nf4 $1 Kc6 29. Nxe6 (29. Bxd5+) 29... Bxe6 30.
Qxe6+ Kb5 31. Qxd5+ Kb4 {[#]} 32. Qc5+ (32. Bd1 $1 {seria um arremate mais
artístico.} c3 (32... Ka4 33. c3+ Nb3 34. Rxh6 $18) 33. Qc5+ Ka4 34. Qa7+ Kb4
35. Rxh6 $18) 32... Kc3 33. Be4+ (33. e6 $18) 33... Kd2 34. d5 Qb6 35. Qxc4 Qb5
36. Qxb5 Rxb5 37. e6 Rb1 38. g3 Nd3+ 39. Kg2 Ne1+ 40. Kh2 {[#] A posição
final merece um diagrama. As brancas têm cinco peões pela torre, mas eles
estão muito avançados.} 1-0
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Dicas finais:
Observe sempre a estrutura de peões. Avalie a possibilidade de sacrifícios para mobilizar uma massa de peões; Reveja suas partidas de tempos em tempos. Você poderá descobrir novas ideias que mudam sua percepção do que ocorreu; Veja as partidas do Phillidor. No mínimo será útil pela parte histórica. E todo bom jogador deve conhecer os clássicos.
Gostou deste artigo? Então complemente seus estudos com a palestra “A Força do Peão Passado”
Escrito por Rafael Leitão em 15.06.2016
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