Norway Chess e Grand Chess Tour – Quem Tem Medo de Magnus Carlsen?

     

    Norway Chess e Grand Chess Tour – Quem Tem Medo de Magnus Carlsen?

     

    Nota de eclarecimento: as opiniões emitidas neste artigo não refletem necessariamente o pensamento do GM Rafael Leitão, mas sim do nosso redator ( Mister X). 

     

    Os últimos dias foram bem movimentados na elite do xadrez mundial. Em menos de um mês aconteceram dois grandes eventos: O Norway Altibox Chess, que foi considerado por muitos um dos torneios mais fortes de todos os tempos; e a primeira etapa do circuito Grand Chess Tour, em Paris.

     

    Mas o que nos importará hoje, e que servirá como ponto de ligação entre os dois torneio – além de, claro, o alto nível de ambos – será a figura do Campeão Mundial Magnus Carlsen.

     

    O norueguês foi destaque nas duas competições – embora de maneiras bem diferentes. Entretanto, de toda forma, seus fracassos e sucessores recentes suscitaram-nos algumas questões interessantes.

     

    Vamos perseguir os rastros do campeão mundial!

     

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    Norway Altibox Chess: “Tell me…Do you bleed?”

     

    Nas duas reportagens que escrevemos sobre o torneio da Noruega, já alertávamos para a relação de amor e ódio que existia entre Carlsen e a competição. Em 2015 ela foi um desastre para o campeão mundial; em 2016 foi um sucesso. Seguindo esta “montanha russa”, Carlsen mais uma vez teve um péssimo resultado.

     

    E mesmo que tenha começado arrasador no blitz (guarde esta informação: no blitz), nas partidas clássicas o desempenho de Carlsen foi lastimável: 6 empates, 2 derrotas e apenas 1 vitória. Penúltimo lugar. Curiosamente, o último lugar ficou com o russo Sergey Karjakin, o derradeiro desafiante ao título mundial. E o grande campeão do Norway Chess foi o armênio Levon Aronian com 3 vitórias e o mesmo número de empates que Carlsen (6).

     

     

    O “torneio perfeito” (que deverá ganhar menção honrosa no Nobel da Paz deste ano) ficou com o norte-americano Wesley So: 9 empates. Em realidade, e correndo o risco de dizer o óbvio (já fica o alerta de spoiler: talvez usaremos do óbvio mais de uma vez), é bem nítido que o empate predomina no xadrez de elite.

     

    Os avanços teóricos e técnicos do xadrez hoje, com grande auxílio das engines e dos banco de partidas, aliadas às melhores condições desportivas para os jogadores, dentre outras tantas questões, são alguns dos fatores que podemos destacar para este número “exagerado” de empates – que tanto desagrada a maioria dos fãs.

     

    Vamos aproveitar os dados de um outro torneio: a primeira etapa do Grand Prix da FIDE que aconteceu em Sharjah  (ou, em português, Xarja), nos Emirados Árabes, em fevereiro deste ano, e que teve o russo Alexander Grischuk como campeão, terminou com 75% das partidas em empates. E um terço delas em menos de 30 lances.

     

    Já no Norway Chess o empate não podia ser acordado, ou oferecido, entre os jogadores. Por conta disso, várias partidas foram até a posição de rei contra rei. Mas, aparentemente, mesmo esta medida não permite que menos empates aconteçam (quase 70% das partidas terminaram em empate). Entretanto, mais uma curiosidade: no mesmo torneio dos Emirados Árabes, após sete rodadas, Aronian era o “menos competitivo” do torneio – com cinco empates em menos de 30 jogadas. Contudo, depois o armênio venceu o forte Grenke Chess e, em seguida, este Norway Chess

     

    Então, talvez, o segredo esteja não em vencer, mas em não perder – sim, muito provavelmente esta é mais uma obviedade (mas, como avisamos, este texto pode estar cheio delas). Por outro lado, se isso fosse verdade, e o importante fosse só não perder, quem sabe Anish Giri seria o campeão mundial…

     

     

    Brincadeiras à parte, os excelentes resultados recentes de Aronian já o colocam como o mais forte candidato para roubar a coroa de Magnus Carlsen (ainda mais depois da espetacular vitória do armênio em cima do norueguês na quarta rodada). Mas… será?

     

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    “Apostamos” agora em Aronian como o próximo candidato, assim como já apostamos em Caruana no último ciclo devido aos bons resultados que esse estava obtendo (inclusive contra o próprio Carlsen). Mas deu Karjakin. Assim como já “apostamos” em Wesley So, depois da excepcional temporada do ano passado. Assim como já “apostamos” até em “ Lenhador” Mamedyarov, depois do salto recente de rating que esse conseguiu. “Apostamos” inclusive no ex-campeão mundial Vladimir Kramnik, pois embora ele sempre diga que abandonará o ciclo do campeonato mundial, segue tão firme quanto antes – inclusive como o segundo do mundo.

     

    “Estamos aí. Na atividade!”

     

    Aliás, dia 25 de junho foi aniversário dele (Kramnik). O russo, que completou 42 anos, durante o Norway Chess foi questionado sobre a possibilidade de assumir o posto de número um do mundo no rating da FIDE. Kramnik deixou claro que ficaria feliz com tal acontecimento, embora soubesse que a conquista seria temporária: Carlsen estava passando por uma má fase, o que é normal, e, caso Magnus perdesse o posto de número um, seria apenas uma questão de tempo para que ele o recuperasse.

     

    Todavia, apesar destas palavras ponderadas durante o torneio, em recente entrevista Kramnik não deixou de salientar uma crítica um pouco mais dura ao campeão mundial (lembrando que no Norway Chess Kramnik venceu Carlsen):

     

    Realmente, antes, ele estava jogando muito bem. Mas talvez os resultados de Carlsen foram um pouco inflados em relação à qualidade de seu jogo, embora seja sempre assim quando você está numa série boa de vitórias. Seus oponentes tem a impressão de que você é invencível e a experiência, se não o medo (exagerando um pouco), reforça essa visão. Como dizem, o dinheiro atrai dinheiro, assim como os resultados os resultados. Magnus está agora experimentando um declínio, mas eu acho realmente que ele está jogando muito melhor que parece, embora seus resultados estejam abaixo do seu nível de jogo. Em tudo isso há também um fundo psicológico óbvio, relacionado ao fato de que, pela primeira vez, em muitos anos, os rivais sentiram sua vulnerabilidade” (Grifo nosso).

     

    Em resumo, como diria o Batman de Ben Affleck para o Superman de Henry Cavill: “Tell me… Do you bleed? You Will” (“Diga-me…Você sangra? Você vai”). O Super-Carlsen está sangrando – e o que não falta são Batmans atrás dele.

     

     

     

    E já aproveitando a questão das entrevistas, Magnus deu alguns comentários interessantes após o Norway Chess – e junto com o campeão-mundial já partimos para o torneio de Paris:

     

    Eu acho que me faltou confiança desde o início e, junto a isso, um jogo muito correto por parte dos meus rivais. Não foi uma boa combinação. Era uma sensação estranha. De alguma forma eu conseguia me recompor um pouco para cada partida, mas depois tudo desaparecia rapidamente… Basicamente eu sabia como devia jogar, mas não estava tão convencido da minha capacidade para ganhar as partidas. Não haverá solução rápida. Eu tenho que trabalhar para isso. Simplesmente eu acho que ainda posso jogar – tenho certeza de que ainda posso jogar – ao menos eu tenho que conseguir a minha confiança de volta. Diz-se de um torneio muito forte que ninguém pode ganhá-lo adiantadamente, mas mesmo quando eu jogo mal eu termino na primeira metade da tabela. Obviamente, isso não aconteceu desta vez. Então, claro, eu conversarei com isso sobre meus confidentes mais próximos, mas na maioria das vezes será um trabalho solitário. Eu tenho certeza que vou conseguir. É uma tendência e em nenhum dos meus últimos torneios a minha confiança tem sido particularmente boa. Existe um problema. Em cada torneio eu penso que irei bem, contudo isso está mudando rapidamente. Mas isso só está ligado ao xadrez clássico. Estou convencido de que irei bem em Paris!” (grifo nosso)

     

    Grand Chess Tour (Paris): “O que quer que eu faça?”

     

    O Grand Chess Tour, “apadrinhado” por ninguém menos que Gary Kasparov, teve sua primeira etapa na França, em Paris, e ainda prevê duas outras: em agosto, na Copa Siguiefield, e em dezembro, no London Chess.

     

    O evento foi dividido em 8 rodadas de rápidas e 18 rodadas de blitz (ida e volta) – afora os desempates. E a competição também esteve consideravelmente forte, inclusive repetindo diversos personagens do torneio da Noruega. Além de Carlsen; Nakamura; Vachier-Lagrave; Wesley So;  Karjakin e Caruana, tivemos Grischuk; “o lenhador”; Mamedyarov; Topalov e Bacrot.

     

    E como já previa o campeão mundial, a crise ficou no xadrez clássico. No rápido Carlsen dominou e terminou, invicto, com 7 pontos (meio ponto à frente de Grischuk). No blitz a história seguiu mais ou menos a mesma, embora tenha existido alguns deslizes de Magnus, como as três derrotas seguidas no último dia do blitz – e o que levou a ter que disputar o título no tiebreak contra Vachier-Lagrave. Mas, apesar dos pesares, vitória do norueguês.

     

     

    São vários os pontos que podem justificar a popularidade dos eventos de xadrez rápido e blitz. Mas pensando apenas pontos que estamos tentando discutir aqui, o menor número de empates acaba atraindo bem mais os fãs – na maioria das vezes, ávidos por sangue. Mas, entre um ponto e outro, temos mais uma entrevista de Carlsen – desta vez logo após a finalização das partidas rápidas de Paris. Carlsen acabava de vencer Bacrot  numa, digamos, “partida dura” (após o vídeo, transcrevemos em português o diálogo):

     

     

    Maurice Ashley: Bem, estamos aqui com o rei das rápidas. Magnus Carlsen merece este título, embora não signifique nada para este torneio, mas pelo menos ele tem mostrado ser o melhor jogador do mundo e começou muito bem o Grand Chess Tour. Magnus, parece que você teve alguns problemas hoje, sem realmente ter um bom desempenho. Esta partida, por exemplo, não foi não muito fluída [fácil]. Ela pareceu um pouco confusa. Qual é o seu sentimento tanto geral quanto neste jogo?

     

    Magnus Carlsen: O que você quer que eu faça? Capturou-se uma peça e depois, claro, não foi feito nada particularmente errado, portanto ele não está perdido. O que você quer que eu faça?

     

    Maurice Ashley: Eu não quero que faça nada. Eu só quero ver o xadrez que está sendo jogado.

     

    Magnus Carlsen: Mas eu quero dizer que você está falando que este jogo não foi fluído, então, o que você quer que eu faça? Quer que se ganhe uma grande vantagem na abertura e então, em seguida, pressione de todas as formas. Essa é que a única vitória fluido para você? É essa a sua ideia?

     

    Maurice Ashley: Não, de jeito nenhum, Magnus, mas na verdade o jogo foi muito difícil e eu gostaria de saber a sua opinião sobre como…

     

    Magnus Carlsen: Sim, só que eu tenho a sensação de que o tempo todo você está tentando menosprezar tudo. Este é o meu único problema.

     

    Maurice Ashley: Magnus, desculpas, devemos definitivamente respeitá-lo como um campeão do mundo, por isso não leve como ofensa o que estamos dizendo. Estamos apenas tentando comentar. Está resolvido isso agora, e é hora do blitz. Quais são os seus pensamentos para o resto do torneio?

     

    Magnus Carlsen: Eu acho que ele está indo bem. Grischuk está indo muito bem, mas espero que eu possa seguir ganhando partidas não tão “fluidas”.

     

    Maurice Ashley: Magnus, obrigado pela sua atenção e boa sorte para o resto do torneio.

     

    Novamente: a grande quantidade de empates nas partidas clássicas parece ter tirado um pouco o prestígio das mesmas em relação as partidas rápidas e blitz. Aliás, embora as respostas de Carlsen na entrevista não tem sido um exemplo de simpatia, é bem verdade que a definição usada pelo jornalista Maurice Ashley não foi das mais felizes. Vitórias “fluídas” são muito mais raras do que imaginamos.

     

    Mas, em suma, de todas essas nossas divagações, o que podemos concluir?

     

    O que queremos dizer é que nas partidas pensadas o equilíbrio entre a elite do xadrez mundial nunca foi tão grande (inclusive arriscamos a colocar que isso vale também para a distância do campeão mundial para os outros jogadores). Este equilíbrio acaba sendo quebrado um pouco nas partidas com ritmos mais dinâmicos por conta do relógio. Ali a superioridade de Carlsen fica muito nítida: ele é o melhor jogador da atualidade por diversos fatores e em partidas onde as decisões devem ser tomadas mais rapidamente, ele acaba destacando-se. Contudo, nas partidas clássicas, mesmo sendo o melhor do mundo, essa superioridade diminui muito.

     

    O que nos faz supor que imaginar quem será o próximo desafiante ao título mundial seja completamente impossível. Pode ser qualquer um do Top 10 mundial – talvez, do Top 15 (já que Karjakin, que foi o último, por exemplo, é hoje o 12º do mundo). E mesmo que, suponhamos, Carlsen enfrente o 15º do mundo, sua vida não seria fácil. Exemplificando: atualmente o jovem chinês  Yu Yangyi (2749), de 23 anos, é 15º do mundo.

     

     

     

    No nosso hipotético match Carlsen x Yangyi teríamos diversos empates de várias partidas “não-fluídas”. Inclusive as vitórias, muito provavelmente, também seriam assim. “Não-fluídas”. Magnus ganharia? Muito, muito provavelmente. Seria fácil? De forma nenhuma. Karjakin teve suas chances no ano passado…

     

    Má fase ou não de Carlsen, o fator estrutural do maior equilíbrio na elite deve ser levado em consideração. No reinado de Kasparov, o russo também jogou alguns maus torneios, mas é difícil lembrar de resultados tão ruins – o que nos faz reforçar a crença da paridade de nossa época.

     

    Mas, enfim, o leitor deve estar se perguntando: e “o que você quer que eu faça”?  Jogue, assista, comente e desfrute o xadrez… Pois, afinal, o que mais podemos fazer?

     

     

     

     

    FONTES

    ChessBase

    Chess24

    Site Oficial (Norway Chess)

    Site Oficial (Grand Chess Tour)

     

    Escrito por Equipe Academia de Xadrez Rafael Leitão 28-06-2017

     

     



     

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    5 Responder para “Norway Chess e Grand Chess Tour – Quem Tem Medo de Magnus Carlsen?”

    • Leandro

      Xadrez fluido??? Só na cabeça desse idiota mesmo, o Ashley é o GM que não fala sem citar tal da engine. Dá nojo vê-lo analisar uma partida. Ele é incapaz de falar mate em 1 sem ver a engine.

      Kramnik definiu bem o Noway.... Cheio de estrelas, qualquer um poderia tá em último quanto em primeiro.
      Ele mesmo fala das partidas perdidas contra So, Nakamura e Karjakin.... Ele tinha uma pequena vantagem, mas os adversários começaram a jogar lances únicos....
      O que se faz nessa hora?
      Bem que poderia ter um hipnotizador telepata na plateia

      • Juliano machado

        Concordo totalmente!

    • José Carvalho

      Queria estar jogando mal assim. Número 1 do mundo nas clássicas, nas rápidas e nas relâmpagos.

    • Daniel Borges

      "mas sim do nosso redator ( Mister X)" kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    • Juliano Machado

      Complicado. O Carlsen parece que tem sempre que provar alguma coisa, faz um tempão que o cara é campeão mundial, lidera o ranking, vence boa parte dos grandes torneios e é um monstro em blitz e rápidas. Deixem o cara trabalhar! Mas acho que Aronian vai dar trabalho nesta temporada.

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