Conheça O Histórico Match “URSS x Resto Mundo”

    O domínio soviético no xadrez durante boa parte do século XX é realmente impressionante. Seria essa a maior hegemonia de um país na história de todos os esportes? É preciso pesquisar…

    Entre 29 de março e 05 de abril de 1970 (aproximadamente 50 anos), foi disputado em Belgrado um match entre a equipe da União Soviética contra uma equipe do Resto do Mundo. Isso mesmo, os enxadristas do mundo inteiro se uniram para enfrentar os soviéticos. Na época, o confronto foi chamado de “Match do Século”.

     

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    Segundo Savielly Tartakover, essa ideia surgiu em 1945, imediatamente, após o match por rádio entre soviéticos e americanos (15.5 x 4.5), porém, o match demorou 25 anos para ser concretizado. 

     

    Sistema de Disputa

    O formato de disputa era simples: dez jogadores de cada lado, com dois reservas, se enfrentando em mini matches de quatro partidas. O primeiro tabuleiro soviético jogaria quatro jogos contra o primeiro tabuleiro do resto do mundo e assim sucessivamente. Os reservas poderiam entrar em qualquer tabuleiro. A equipe com mais vitórias após as 40 partidas seria a vencedora.

    Os soviéticos tinham nada menos do que cinco campeões mundiais na equipe: Petrosian, Smyslov, Botvinnik e Tal, incluindo o então atual campeão, Boris Spassky. 

    Já do lado do Resto do Mundo, as estrelas principais eram o dinamarquês Bent Larsen e o americano Bobby Fischer, que voltava aos tabuleiros após uma temporada de inatividade.

     

    O Retorno de Fischer

    Fischer demorou muito para confirmar sua participação. Ele queria enfrentar o campeão mundial em um match a seis vitórias e nesse evento só seriam quatro jogos. Segundo o próprio Fischer, ele só jogou o torneio por conta do poder de persuasão do árbitro Bozidar Kazic.

    “Ele foi a América e tentou me convencer durante muito tempo. De repente, me disse: “pense nisso, se você não participar do match do século, essa será simplesmente a coisa mais absurda que ocorrerá no xadrez em todo o século”. Ficou difícil responder a isso”, contou Fischer.

     

    URSS x Resto do Mundo

    Você consegue reconhecer todas as estrelas desta foto? Fischer enfrenta Petrosian, enquanto Korchnoi pensa em primeiro plano. Em pé, assistindo, estão Taimanov, Larsen e Portisch. Najdorf pensa ao lado de Portisch, enquanto Botvinnik está atrás de Larsen jogando contra Matulovic

     

    Fischer Surpreende e Aceita o 2º Tabuleiro

    No entanto, pouco antes do início do torneio, a participação de Fischer voltou a ser duvidosa. Isso porque Bent Larsen se negou a jogar no segundo tabuleiro. 

    Segundo Larsen, durante a ausência de Fischer ele tinha conseguido resultados importantes e, por consequência, tinha o direito de liderar a equipe mundial. “Era um desafio aberto a Fischer e o conflito parecia inevitável”, escreveu Taimanov. 

    Porém, o mundo se surpreendeu com a postura de Fischer. Quando o capitão do time do Resto do Mundo, o ex-campeão mundial Max Euwe, foi ao quarto de Fischer com a delicada missão de conversar a respeito da escalação da equipe, Bobby nem olhou para o respeitado colega e apenas disse em voz alta: “Não tenho nenhuma objeção!”.

    Talvez, isso já estivesse nos planos de Fischer, que naquele momento poderia preferir enfrentar Petrosian em vez de medir forças com Spassky. Porém, isso é tudo especulação. 

     

    Fischer x Petrosian

    Fischer x Petrosian. Por ser o maior pontuador da equipe do Resto do Mundo, Fischer recebeu um carro de premiação

     

    O Início do Rating

    Esse torneio também ficou marcado na história por ser a primeira vez que o sistema Elo de pontuação (rating) serviu para escolher a ordem dos tabuleiros. Fischer liderava o ranking com 2720 pontos, seguido por Spassky e Korchnoi com 2670.

    Três brasileiros apareceram na primeira lista de rating da história: Henrique Mecking (2540), 36ª posição; Hélder Câmara (2390), 255º colocado, e Antônio Rocha, (2290), o 392º.

     

    Resto do Mundo Domina os Primeiros Tabuleiros

    Apesar do favoritismo soviético, o duelo foi muito equilibrado. No primeiro tabuleiro, Larsen empatou o match com Spassky por 1,5 x 1,5. O campeão mundial foi substituído na última rodada por Leonid Stein, que acabou derrotado. Ou seja, Larsen venceu seu match individual por 2,5 x 1,5. (Veja aqui a vitória de Spassky contra Larsen que ficou conhecida como uma das melhores partidas da história).

    No tabuleiro dois, Fischer mostrou um xadrez excepcional contra Tigran Petrosian e venceu por 3×1 (veja aqui a famosa e espetacular vitória de Bobby na primeira partida).  No terceiro tabuleiro, o húngaro Lajos Portisch venceu Viktor Korchnoi por 2,5 x 1,5. Portisch, porém, deixou Fischer irritado por ter empatado uma posição ganhadora na primeira rodada.

    No quarto tabuleiro, mais uma vitória dos jogadores do Resto do Mundo. O tcheco Vlastimil Hort superou Lev Polugaevsky por 2,5 x 1,5. Ou seja, nas quatro primeiras mesas, a equipe do Resto do Mundo conseguiu cinco pontos de vantagem. 

     

    Soviéticos Tiram a Diferença nos Tabuleiros de Baixo

    Com exceção do representante da Argentina, Miguel Najdorf, que empatou em 2×2 o duelo com Mikhail Tal, todos os enxadristas da equipe do Resto do Mundo que estavam da mesa 5 para baixo, perderam seus matches. Confira os resultados: 

    Tabuleiro 5: Geller 2,5 x 1,5 Gligoric (Iugoslávia)

    Tab 6: Smyslov 2,5 x 1,5 Reshevsky (EUA) e Olafsson (Islândia) 

    Samuel Reshevsky não jogou a última e decisiva partida por questões religiosas. 

    Tab 7: Taimanov 2,5 x 1,5 Uhlmann (Alemanha)

    Tab 8: Botvinnik 2,5 x 1,5 Matulovic (Iugoslávia)

    Tab 9: Tal 2×2 Najdorf

    Tab 10: Keres 3 x 1 Ivkov (Iugoslávia)

     

    Placar Final: União Soviética 20,5 x 19,5 Resto do Mundo

    Os reservas David Bronstein (URSS) e Klaus Darga (Alemanha) não disputaram nenhuma partida.

     

    Análise 

    Apesar da derrota, o resultado foi positivo para a equipe do Resto do Mundo que fez um match de igual pra igual com os imbatíveis soviéticos. O ex-campeão mundial, Mikhail Tal, também tornou pública a sua visão dos acontecimentos: 

    “Ganhamos, mas há algumas razões para preocupação. Por que, aparentemente, os jogadores estrangeiros estão progredindo mais rapidamente? Por que a idade média dos adversários também é menor que a da nossa equipe nacional? Por que houve apenas um torneio de xadrez realmente forte na União Soviética nos últimos anos?”, questiona Mikhail Tal.

    De fato, Tal estava certo. Esse torneio marcou apenas o início da ascensão meteórica que culminou no título mundial de Bobby Fischer e o fim da hegemonia soviética, construída desde o término da II Guerra Mundial. 

    Em 1984, foi realizada a segunda edição do match União Soviética x Resto Mundo. Liderada por Karpov e Kasparov, a equipe soviética venceu mais uma vez (21 x 19). Do lado do Resto do Mundo, as estrelas principais eram Ulf Andersson, Jan Timman e o dissidente Korchnoi.

     

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    Texto escrito pelo MF William Ferreira da Cruz.

     

    Referência Bibliográfica: 

    Garry Kasparov, Meus Grandes Predecessores, volume 4.

    3 Responder para “Conheça O Histórico Match “URSS x Resto Mundo””

    • Ruy Ermelindo Nogueira Barbosa

      Parabéns Rafael. Você de fato, além de GM é também excelente redator.

      • Rafael Leitão

        Obrigado, mas o artigo foi escrito pelo MF William Cruz. Eu fiz apenas algumas poucas edições.

    • Eder

      Pairou uma dúvida neste match. o que teria acontecido se Mecking tivesse jogado na equipe "resto do mundo" nesta época ele já conseguia resultados excelentes contra os melhores do mundo, inclusive seu escore com a maioria dos jogadores nas posições abaixo do 4o tabuleiro lhe eram favoráveis.... Eu, ao menos sempre tive esta dúvida....

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