Norway: “Há Algo de Podre no Reino da Noruega” I

    “HAMLET: Pode-se pescar com um verme que haja comido de um rei, e comer o peixe que se alimentou desse verme.
    O REI: Que queres dizer com isso?
    HAMLET: Nada; apenas mostrar-vos como um rei pode fazer um passeio pelos intestinos de um mendigo.”
    (Hamlet, peça de William Shakespeare)

     

    Depois de duas rodadas, a “confession box” (ou, abrasileirando a ideia, o “confessionário” a la Big Brother – saiba mais, aqui) parece ser o que de menos bizarro aconteceu no Norway Chess 2015 (aliás, alguém aí viu a tal caixa sendo utilizada?). Mas, sim: “Há algo de pobre no reino da Noruega”, diria, hoje, o príncipe Hamlet – com o perdão de William Shakespeare e o da imprecisão geográfica.

    Antes mesmo de o torneio começar (e da inusitada maneira de definir o emparceiramento deste – através de um torneio blitz), houve uma “saudável” troca de gentilezas entre o Príncipe (ou Rei?) Magnus Carlsen e Hikaru Nakamura: O GM norte-americano deu uma declaração, para a TV norueguesa, dizendo que o estilo de Magnus lhe parecia um pouco “seco” e que, em sua opinião, havia jogadores mais interessantes que o norueguês. Magnus, via twitter, respondeu simplesmente: “Está jogando um pouco como Kvakkamura” – fazendo uma sutil (nem tão sutil assim, é verdade) alusão a uma tirinha que circulou na Noruega em que, ele próprio, Carlsen, enfrenta ninguém menos que o famoso Pato Donald . Ei-la:

    carlsen pato donald

    magnus carlsen pato donald

     

     

    De toda forma – e mais uma vez lembrando o príncipe Hamlet –: “Palavras, palavras, palavras”… Querendo ou não, a tragédia já estava mais do que anunciada. Para quem ainda duvida, assim como na peça de Shakespeare, antes da ação, houve até mesmo aparição do antigo Rei (o fantasma pai de Hamlet?): Gary Kasparov – o eterno campeão mundial e ex-treinador de Magnus (ao menos durante algum tempo).

    norway chess kasparov

    Mas vamos lá. Abram-se as cortinas. Começa o espetáculo.

     

    Ato 1. Ou primeira rodada. Um começo sangrento (e, como é sabido, é preciso sempre um início barulhento para chamar a atenção do público – velho truque do teatro shakespeariano). Somente um empate: Anand e Caruana. Giri venceu convincentemente Grischuk – embora tenha havido alguns golpes de ambos os lados, os erros de Grischuk, ao final, e a boa condução de Giri, definiram o resultando. Nakamura venceu numa partida típica do seu estilo “interessante” a Hammer. Maxime Vachier-Lagrave repetiu a boa forma do torneio blitz do emparceiramento em que venceu e conseguiu excelente vitória frente a Aronian.

    E, distante da cena principal, Magnus Carlsen ia imprimindo seu estilo “karpoviano” a Topalov – pequena vantagem, técnica assombrosa e cálculo exato. Contudo… “Há mais coisas entre o céu e a terra que supõe a nossa vã filosofia” e, próximo do arremate, depois de toda a nobre condução, Magnus, por volta do lance 60, deixa cair a sua seta. Ele se confundiu com o controle de tempo e achou que havia acréscimo após seu lance. Triste. Vida longa ao Rei (Veja as análises aqui).

    Ato 2. Ou segunda rodada. A trama se adensa enquanto o sangue esfria. Vários empates: Grischuk, de brancas, contra Aronian, correu, mais uma vez, vários riscos – mas, desta vez, conseguiu escapar e o empate foi um bom resultado. Hammer, contrariando todas as expectativas, conseguiu segurar, e quase foi além contra Vachier-Lagrave (o final resultante teve um instrutivo recurso para as negras). Giri, de brancas, conseguiu se defender bem contra as investidas de Anand e selar a paz. A partida entre Topalov e Nakamura serviu para demostrar que o jogador búlgaro ainda está bem preparado – e o meio ponto acabou sendo um bom resultado para o “interessante” Nakamura.

    E Carlsen? Depois da derrota da primeira rodada e, agora, enfrentando um jogador que já lhe deu algumas dores de cabeça, uma boa estratégia parecia não forçar os acontecimentos e até mesmo ir contra as paixões da alma e aceitar as alvas bandeiras da paz. Contudo… A preparação de Caruana, além do jogo preciso desse (e mesmo o grave erro de Carlsen no lance 22), destruíram o “muro de Berlim”, o que colocou abaixo, MAIS UMA VEZ, todo o Reino da Noruega. Os príncipes também rocam. E no mal sentido. 0-0 para Carlsen (alguma vez isto já aconteceu com algum Campeão Mundial num torneio?). Veja a partida aqui.

    A classificação, até a segunda rodada, é: Hikaru Nakamura; Anish Giri; Veselin Topalov; Maxime Vachier-Lagrave; Fabiano Caruana com 1,5; Viswanathan Anand com 1,0; Jon Ludvig Hammer; Alexander Grischuk e Levon Aronian com 0,5; Magnus Carlsen com 0,0.

    E a pergunta que resta a nós e, sobretudo, a Carlsen não poderia ser outra que não:

     

    “SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO?
    Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz
    ou pegar em armas contra o mar de angústias
    e, combatendo-o, dar-lhe fim?”.

     

    Baixam-se as cortinas. Que venham as próximas cenas.

     

    EM TEMPO: A peça Hamlet termina com o príncipe, e praticamente toda a corte dinamarquesa, morta – além da invasão da Dinamarca pelo, adivinhem só, o príncipe NORUEGUÊS Fortinbrás. Um sinal?

     

    Site Oficial: aqui.

    Fotos: chessbase.com

     

    Escrito por Equipe Academia de Xadrez Rafael Leitão 18.06.2015.

     

     

    •  Links relacionados:

    Norway Chess 2015: “Há Algo de Podre no Reino da Noruega” – Parte II.

    Norway Chess 2015: Estamos de Olho!

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