Kasparov x Shirov: O Match Que Deveria Ter Acontecido
Shirov x Kasparov: Olímpiada de 1996
Quando no Torneio de Linares – Espanha, 1998, Alexei Shirov terminou na segunda colocação com sete pontos em 12 rodadas, ficou claro para o mundo que o enxadrista da Letônia, mas que jogava pela bandeira da Espanha, era um candidato ao título mundial. Anand fez 7.5, Kasparov e Kramnik 6.5, Svidler 5.5, Ivanchuk 5.0 e Topalov 4.0.
Contexto histórico
Nesse momento, o mundo do xadrez estava dividido. Ainda em 1993, Kasparov e Short deveriam jogar um match pelo Campeonato Mundial. No entanto, não houve entendimento sobre os valores com a FIDE e os enxadristas criaram uma associação alternativa, a Associação dos Enxadristas Profissionais (PCA), sigla em inglês. Nesse mesmo ano, Kasparov venceu Short por 12.5 x 7.5.
Nigel Short não foi páreo para Kasparov em 1993.
Indignada, a FIDE puniu Kasparov e retirou-lhe o título oficial. Para definir o novo campeão, a FIDE realizou um match entre o ex-campeão, Anatoly Karpov, contra Jan Timman. Karpov venceu o duelo por 12.5 x 8.5.
Já em 1995, Kasparov manteve o título da PCA ao vencer Viswanathan Anand por 10.5 x 7.5, enquanto Karpov superou Gata Kamsky pelo mesmo placar e também manteve seu título. Três anos depois, em 1998, Karpov venceu Anand por 5×3 (nos desempates) e ratificou mais uma vez o título de campeão mundial da FIDE.
Kasparov venceu Anand no World Trade Center, derrubado pelo terrorismo em 2001.
Mas e a PCA? Em 1996, a principal patrocinadora saiu de cena e a associação perdeu força. Deste modo, na abertura de Linares 1998, Garry Kasparov e Luis Rentero Suárez criaram o Conselho Mundial de Xadrez (WCC). A ideia inicial era a realização de um match entre Anand x Kramnik, no qual o vencedor seria o desafiante de Kasparov.
Anand, no entanto, já tinha assinado contrato com a FIDE para a disputa com Karpov e rejeitou a oferta. Então, após o super torneio de Linares, Shirov tornou-se a melhor opção para jogar com Kramnik.
Shirov x Kramnik
No mês de maio de 1998, a disputa entre ambos iniciou. O vencedor teria o direito de enfrentar Kasparov com uma premiação estimada em $ 2 milhões de dólares. Com duas vitórias e sete empates, Shirov derrotou Kramnik por 5.5 x 3.5, sendo desnecessária a décima e última partida.
A crise de Alexei Shirov
Após vencer o match, Shirov voltou feliz para casa em Tarragona (Espanha), e se deparou com o início de seus problemas. Primeiro: o enxadrista encontrou sua casa vazia, pois sua esposa havia ido embora com a filha do casal. Segundo: sua principal conta bancária havido sido esvaziada pela mulher.
E, por fim, o definitivo match com Kasparov começou a ficar nebuloso e o que era certo se tornou duvidoso. Ou seja, Shirov perdeu a família, suas economias, e a maior ambição da carreira ficou em xeque. Um duro golpe para qualquer pessoa.
Além disso, um dos analistas do match com Kramnik, o GM israelense Emil Sutovsky, cobrou de Shirov não apenas todos os honorários durante a disputa, mas também o prêmio especial em caso de vitória, sem levar em consideração os problemas no duelo com Kasparov. Além de tudo, Shirov ficou endividado.
Veja alguns dos ataques demolidores de Shirov nesta palestra
Kasparov x Shirov
Inicialmente o match seria jogado por dois milhões de dólares. Depois, foi cancelado e até a suposta multa contratual de 200 mil dólares foi ignorada por Rentero. (Não sabemos em que condições o contrato foi feito e sequer se foi assinado). Depois, em conversa entre Shirov e os empresários de Kasparov, o match seria realizado na Califórnia por um milhão de dólares, mas logo esse fato também não se consumou. Por fim, uma última oferta de um match por 600 mil dólares, sendo 400 mil ao vencedor e 200 mil ao perdedor. Segundo versões contraditórias, Shirov achou pouco. Após alguns meses Kasparov anunciou que buscaria outro rival, por ironia do destino acabou sendo o próprio Kramnik, em 2000.
Em 2000, Kramnik superou Kasparov por 8.5 x 6.5.
Versões
Shirov
“Não creio que uma violação tão forte das regras tenha ocorrido outra vez na história do esporte. Os senhores Rentero, Kasparov e Kramnik não estão isentos de culpa pelo que me fizeram, cada um em separado. Todos os acordos posteriores que reconheceram Kramnik como campeão mundial são vergonhosos”, afirmou Shirov.
Em 2000, Kramnik venceu Kasparov por 8.5 x 6.5. Em 2006, o título da FIDE e da WCC foram unificados com o polêmico match Kramnik 8.5 x 7.5 Topalov. Depois do título de Karpov, em 1998, a FIDE mudou o formato das disputas e também reconhece os seguintes campeões mundiais: Khalifman (1999), Anand (2000), Ponomariov (2002), Kasimdzhanov (2004), além do Topalov em 2005.
Em 2000, Shirov e Anand decidiram o Campeonato Mundial da FIDE, na época em formato eliminatório. O placar terminou em 3,5 x 0,5 para Anand.
Kramnik
“Acabou sendo uma história triste. Mas nem todos sabem que eu também não recebi a quantia combinada do dinheiro atribuído ao perdedor. Eu também fui enganado. Levando em conta as despesas da preparação, na verdade não ganhei nada além de emoções negativas”.
Kramnik ainda conta que Rentero “enrolava” e não assinava o contrato do match, sempre prometendo, mas nunca assinando. “Nesse momento já percebi que tudo iria acabar mal. Na quarta partida era o limite, iria ameaçar abandonar o match. No entanto, perdi uma partida completamente empatada e essa foi à única razão para ir ao quinto e aos demais jogos. Do contrário, seria taxado de covarde”.
Sobre Shirov, Kramnik expressa sua opinião: “não há dúvidas de que Shirov foi vítima nessa situação. De alguma forma, me senti desconfortável. Eu ainda percebo que se tornou um absurdo o fato do perdedor jogar o match com Kasparov e o vencedor não. Eu entendo que ele é um lado ferido e tem um sabor amargo para toda a história, no entanto, ainda não consigo entender minha culpa. Kasparov é quem deveria se sentir culpado. Em qualquer caso, não há um jogador de xadrez, nem uma única pessoa que diria não na minha posição”.
Kasparov
“Eu estava pronto para jogar contra o Shirov e fiz todo o possível para facilitar isso. Consegui uma oferta, mas meu adversário a considerou insuficiente. Não foi só o Shirov quem sofreu. Minhas perdas materiais e morais podem ser comparadas com as dele. Passei seis meses preparando e gostaria também de acrescentar que, em setembro, paguei os trabalhos preliminares na organização da partida na Califórnia. Este dinheiro foi perdido. A realidade é que ninguém quer organizar essa partida, os patrocinadores potenciais estão muito mais interessados em uma partida entre os jogadores de xadrez número 1 e 2: Kasparov e Anand”.
Kasparov ainda afirma que compensou Shirov: “recentemente lhe cedi o direito de jogar uma partida comercial com Judith Polgar no verão. A partida é organizada por Bessel Kok, tem um fundo de prêmios de 200 mil dólares e será realizada em Praga”. O match de fato aconteceu em 1999 e Shirov venceu por 5.5 x 0.5.
O que você acha: Kasparov agiu de má-fé com Shirov? Kramnik também é culpado pelo incidente? A FIDE errou em reconhecer o match Kramnik x Kasparov e unificar os títulos? E o GM Emil Sutovsky errou ao cobrar tudo sem considerar os problemas de Shirov? Deixe sua opinião sobre todas as polêmicas nos comentários.
Referências bibliográficas:
Livro: Fuego en el Tablero II – Alexei Shirov
Entrevista de Vladimir Kramnik para a revista russa “Chess News”, em 2011.
Carolus Chess – 1998, Shirov x Kramnik Challenger Match.
Gostou do artigo? Então compartilhe nas redes sociais.
O único que não errou foi Shirov e deveria sim disputar o título mundial.
Artigo espetacular !
Tem alguns pequenos errinhos de tradução no final, que não tiram o brilho do artigo.
Não basta fazer um lance ilegal de cavalo na frente das câmeras!! (Judit Polgar que o diga) tem que dizer que sofreu tanto quanto Shirov (que foi abandono pela esposa isso realmente foi golpe baixo) pagar de "inocentão" e se fazer de vítima... francamente nessa o Kasparov se superou... como enxadrista nada a declarar mas como pessoa Garry foi muito filho da puta! eu realmente esperava mais da pessoa que se alto intitula um defensor da liberdade.
Brincadeira. O esposa separa do cara e limpa as contas bancarias e a culpa e dos outros. Se o cara trabalhou tem que receber independente de problemas pessoais. Para ser campeao tem que escolher uma melhor esposa. Isso que aconteceu com o Shirov e tipico de quem desenvolve somente um lado da inteligencia. So o do Xadrez. Mas nos demais aspectos da vida nao se desenvolve. Ter conta conjunta quando so um abastece a conta e sempre desastroso.
Eu sempre admirei o Kasparov como jogador, mas quando comecei a descobrir coisas que ele fez na vida pessoal, minha consideração pelo Kasparov caiu muito. Além desse lance do Shirov, teve aquela partida dele contra a Judit Polgar que ele não assumiu que fez um illegal move. Cara anti-ético
Achei o texto legal, mas um pouco confuso. Rafael Leitão, boa sorte no seu retorno aos torneio! Não vai ser só o de Manaus não, né?