A Dramática História da Olimpíada de Xadrez de 1939
Em 1939, Buenos Aires sediou a 8ª edição da Olimpíada de Xadrez, a primeira realizada fora da Europa. O evento contou com a participação de 27 países, a maior edição até então. O torneio foi disputado em duas fases, no primeiro momento os times foram divididos em quatro grupos – três grupos com sete e um grupo com seis equipes, no qual os quatro primeiros se classificaram para a fase final, com 16 países.
Baixas importantes
Para a surpresa de todos, os tetra campeões olímpicos (Estados Unidos) não jogaram em Bueno Aires. Nomes de peso como: Samuel Reshevsky, Reuben Fine e Frank Marshall se recusaram a ir pelas baixas remunerações ofertadas. A Hungria e a Iugoslávia também foram ausências muito sentidas. A dificuldade financeira para enviar os enxadristas até a América do Sul foi o principal motivo das desistências.
Problemas com a Tchecoslováquia
Como naquele mesmo ano Hitler invadiu o país e não havia mais um Estado independente, a Tchecoslováquia precisou de autorização para jogar a Olimpíada como uma equipe separada. No entanto, ela levava o nome dado pelos nazistas de “Protetorado da Boêmia-Morávia”. Contudo, após longas e cansativas discussões, o comitê organizador se recusou a exibir a bandeira oficial do Protetorado e os enxadristas disputaram a competição.
Equipe do Protetorado da Boêmia-Morávia era formada por: Karel Skalicka, Jan Foltys, Jirí Pelikán, Frantisek Zita e Karel Opočenský
Equipe brasileira
Essa também foi a primeira Olímpiada oficial com a participação de uma equipe brasileira. O esquadrão verde e amarelo foi composto por: Octávio Trompowsky, Ademar da Silva Rocha, Walter Cruz, João Souza Mendes e Oswaldo Cruz Filho.
Na primeira fase o Brasil terminou na quarta colocação do grupo 1: Polônia, Protetorado da Boêmia-Moravia e Inglaterra também se classificaram. Paraguai, Peru e Canadá foram eliminados. Já na fase final, o Brasil terminou na 14ª colocação com duas vitórias, dois empates e dez derrotas.
Vale lembrar que em 1936 foi realizada uma Olimpíada não oficial na Alemanha, e o time do Brasil também marcou presença (16º colocado entre 21 países).
Início da II Guerra Mundial
O clima hostil já era visível na Europa e esse ambiente não tinha como ser negligenciado na Olimpíada. Quando a fase final do torneio iria começar, em 1º de setembro, a Alemanha nazista invadiu a Polônia, iniciando a II Guerra Mundial. Curiosamente – sem a presença dos Estados Unidos -, Alemanha e Polônia também eram os favoritos ao título olímpico. Por jogar em casa e não ser afetada pela guerra, a Argentina também era candidata ao título.
Com o início da guerra, a maioria dos chefes de delegações queria o encerramento dos jogos. No entanto, os organizadores foram muito persistentes e, após uma assembleia com os capitães, o torneio continuou. Nesse cenário caótico, a equipe da Inglaterra foi a única a desistir da competição.
Clima tenso aumenta e acordos são criados
Para evitar maiores problemas, os matchs: Alemanha x Polônia e França x Alemanha, foram combinados com o placar de 2×2. As autoridades alemãs pressionaram e conseguiram que os matches do Protetorado da Boêmia-Moravia – agora parte do Império Nazista – também terminassem em empate contra Polônia e França.
Por fim, a equipe da Palestina se negou a disputar o match com os alemães, que não aceitaram o empate. A situação só foi solucionada quando a equipe da Argentina aceitou empatar com os palestinos.
Fora das questões morais e psicológicas envolvidas, os resultados de seis matches foram combinados, além do fato de uma equipe não ter disputado a fase final. No match Cuba x Alemanha, por exemplo, o ex-campeão mundial, José Raúl Capablanca, também se negou a enfrentar os alemães. Capablanca também não apareceu para jogar contra os franceses no duelo tão esperado contra o campeão mundial, Alexander Alekhine. Ou seja, o torneio não ficou alheio aos acontecimentos e o conflito impactou diretamente o resultado.
Quadro de medalhas
Palestina x Cuba: Moshe Czerniak x José Raúl Capablanca
Apesar dos acordos e de todos problemas, o torneio teve grandes disputas e muita emoção. A Alemanha levou o título com 36 pontos, apenas meio ponto na frente da Polônia, com 35.5. Destaque também para a surpreendente atuação da Estônia. Liderada por Paul Keres, a equipe fez 33.5 e conquistou o bronze. Nas premiações individuais, José Raul Capablanca levou o ouro no tabuleiro 1.
Equipe da Alemanha conquistou o título
Classificação da Fase Final
1-Alemanha | 36 pontos |
2-Polônia | 35.5 |
3-Estônia | 33.5 |
4-Suécia | 33 |
5-Argentina | 32.5 |
6- Protetorado da Boêmia-Moravia (Tchecoslováquia) | 32 |
7- Letônia | 31.5 |
8- Holanda | 30.5 |
9- Palestina | 26 |
10- França | 24.5 |
11- Cuba | 22.5 |
12- Lituânia | 22 |
13- Chile | 22 |
14- Brasil | 21 |
15- Dinamarca | 17.5 |
16- Inglaterra | Não disputou a fase final |
O medo do retorno
Naturalmente, muitos enxadristas tiveram medo de voltar para a Europa. Deste modo, o governo da Argentina ofereceu privilégios para aqueles com a disposição de ficar no país e contribuir para o desenvolvimento do xadrez local.
Todos os enxadristas da equipe alemã permaneceram na Argentina, alguns deles jamais voltaram. A equipe da Alemanha era formada por: Erich Eliskases, Paul Michel, Ludwig Engels, Albert Becker e Heinrich Reinhardt. Também ficaram os poloneses Miguel Najdorf e Paulin Frydman, Gideon Stahlberg, da Suécia, além de muitos outros grandes jogadores.
Miguel Najdorf, por exemplo, jogou simultaneamente às cegas contra 40 jogadores em 1943. Ele mesmo bateu o recorde com 45 jogadores em 1947. Seu objetivo era fazer essas notícias chegarem à Europa, para que sua família pudesse vir à Argentina encontrá-lo. Infelizmente, isso nunca aconteceu.
Miguel Najdorf (1910-1997)
Consequências
A próxima Olimpíada de Xadrez só aconteceu em 1950, no pós-guerra. Com tantos enxadristas fortes na Argentina, o país conseguiu cinco medalhas olímpicas nas décadas de 1950 e 1960. Já a Polônia nunca mais subiu no pódio e os países comunistas passaram a dominar o xadrez a partir de então.
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Referências bibliográficas: Base das Olimpíadas de Xadrez
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