O ano é 1896 e a cidade é Atenas. Durante um dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, o Barão de Coubertin, organizador da competição, definiu o espírito olímpico numa frase lapidar – que ecoaria até os nossos dias e, mais do que isso, atingiria qualquer esporte e competição:
“Não pode haver jogo sem fair play.
O principal objetivo da vida não é a vitória, mas a luta.”
Sintetizando a frase do Barão de Coubertin: fair play. Ou seja: eis o princípio fundamental de todo esporte: “Jogo justo”. Quer dizer, EM TESE, eis o princípio fundamental de todo esporte…
Recentemente, no Campeonato Brasileiro de futebol, em vitória do Corinthians contra o Vasco da Gama, o jogador Jô foi acusado de falta de fair play por não acusar que seu gol foi de mão…
Embora tal princípio (subjetivo? discutível?) não faça parte dos manuais de regras de qualquer atividade esportiva, o fair play é a base para o bom funcionamento de todos os jogos e grande mediador para a interação saudável entre atletas/adversários.
Mas justamente por não ser um ponto específico dentro das regras (e seria possível ser?), ou mesmo por flertar com o bom-senso, e até o senso comum, o fair play varia de modalidade para modalidade; de indivíduo para indivíduo; de caso para caso (?)…
Rivaldo: Pegou na coxa, doeu no rosto, mas machucou mesmo foi o bom senso… Mas, apesar disso, jogar do adversário expulso! Brasil sil sil sil!(?) – Brasil x Turquia, Copa do Mundo de 2002 –
E como não poderia ser diferente, no xadrez o fair play também existe. Quer dizer, na maioria dos casos…
Em 2015, no Aberto de Nova Deli, o indiano Dhruv Kakkar foi pego trapaceando. Ele jogou utilizando ajuda externa (engine). Relembre o caso aqui.
É claro que, talvez, a trapaça já ultrapasse qualquer discussão sobre fair play, pois é, em si, um desvio extremo das regras. Mas será que a fronteira entre a falta de fair play e a trapaça não pode ser muito tênue? Em um caso como o da foto acima, do jovem indiano Dhruv Kakkar, não há muito o que se discutir, claro. Mas nem sempre as coisas são assim, tão simples…
Abhijeet Gupta e S. P. Sethuraman em “A Dama que cai”. Vale a pena ver de novo – aqui.
Em julho do ano passado, no forte torneio Maharashtra Chess League 2016, também na Índia, os GMs Abhijeet Gupta (então com 2583) e S. P. Sethuraman (então com 2541) protagonizaram uma cena que suscitou várias discussões no meio enxadrístico. Durante um armageddon (partida blitz, no estilo “tudo ou nada”, onde as brancas possuem mais tempo que as pretas, contudo precisam vencer. Ou seja: o empate é favorável as pretas) o GM Gupta, que possuía enorme vantagem (de material, de posição e de tempo), ao capturar um peão do adversário, acabou deixando a própria dama cair. Gupta aciona o relógio e só depois arruma a peça caída. Sethuraman para o relógio, chama o árbitro, e alega: lance irregular. Resultado? Vitória de Sethuraman e muita polêmica…
O O presidente da ACP (Association of Chess Professionals), o GM israelense Emil Sutovsky, fui um que “rasgou o verbo” no episódio:
“Não culpo Sethuraman pela sua falta de esportismo – ele estava absolutamente em seu direito, alegando a vitória. Mas vejo um problema muito mais importante aqui. […] Jogadores agitando a mesa; batendo o relógio; colocando as peças entre duas casas… […] Considerando que você pode perder o jogo por algum pecado realmente menor, algo tem que ser feito aqui”
De toda forma: é preciso, sim, discutirmos o fair play no esporte. Inclusive, ainda que seja raro em nosso esporte em particular – considerado “o jogo dos reis” justamente pela nobreza que deve imputar a conduta dos jogadores – existem situações em que os limites são testados. E aí? O que fazer? Bom, as 10 regras abaixo nos dão uma rápida ideia.
DECÁLOGO DO “BOM” ENXADRISTA (ATENÇÃO: ISSO É UMA IRONIA!)
1. Nunca toque apenas na peça que pretende mover, toque em diversas, ameaçando movê-las antes de efetuar seu lance definitivo.
2. Se notar que seu lance foi fraco, volte imediatamente, sem pedir licença a seu adversário, e reflita mais 20 ou 30 minutos. Afinal de contas, sendo a partida amistosa, não haverá relógio para marcar o seu tempo e você sempre poderá alegar, posteriormente, que seu adversário é muito lento.
3. Nunca admita que seu parceiro volte algum lance ou deixe de jogar a peça tocada, lembre-o das regras: “Peça tocada, peça jogada”. Mesmo que este toque seja apenas para arrumar a peça e seu adversário tenha lhe pedido licença, finja não ter ouvido e force-o a jogar.
4. Quando perder uma partida nunca reconheça a superioridade do adversário. Existem diversas formas de desculpas. Eis algumas delas: Passei mal à noite, estou com dor de cabeça, joguei toda a partida com vontade de ir ao banheiro, etc.
5. Durante a partida, não esqueça de ficar tamborilando com os dedos na mesa ou trauteando os últimos sambas de sucesso, ou mesmo músicas antigas, uma ótima sugestão é “Adeus Pampa mia”, “O meu boi morreu”, “Segura o Tchan”, etc.
6. Comente os lances contrários com expressões joviais. Exemplo: Este é um lance de apedeuta! Se achar que o termo “apedeuta” é desconhecido para seu adversário, diga baixinho, só para ele ouvir, o que quer dizer apedeuta. E se ele, indignado, retirar-se do recinto, comente com os assistentes a forma pouco educada de alguém abandonar uma partida perdida.
7. Antes de uma partida oficial, achando que seu oponente lhe é inferior, mesmo porque ninguém joga melhor que você, espalhe que vai massacrar, dar xeque-mate em poucos lances, etc. Se perder, o que pode acontecer, pois afinal de contas o xadrez é um jogo de azar, proceda como no item 4 e acrescente que facilitou devido à fraqueza do adversário e para tornar a partida mais interessante, sacrificou uma peça.
8. Se tiver que se manifestar sobre determinada cláusula de um regulamento, diga que aceita, mas sob protestos. Isto lhe dará sempre oportunidade de criticar os membros da comissão organizadora.
9. Se acontecer o fato quase impossível de ficar mal colocado em um torneio, abandone-o e alegue motivos de saúde. O que também justificará sua má colocação. Se a sua desistência prejudicar outro concorrente, lembre-o que o único culpado é ele, que não estuda, não tem teoria, joga mal, não tem talento, etc.
10. Quando o Clube que frequenta receber a visita de um mestre (Internacional ou Grande Mestre), critique seus lances baixinho com os outros, fazendo-os crer que você é muito superior e que só não é mestre por faltar-lhe tempo para maior dedicação. Também use este sistema com seus colegas de Clube, mas aumentando o tom de voz. Não sendo eles mestres, você, logicamente não precisa respeitá-los.
Siga à risca este Decálogo e garantimos que você terá em breve uma reputação vulgar nos meios enxadrísticos que frequenta!
Não sabemos se texto acima, que figura em diversos livros sobre a história do xadrez (e pode ser encontrado em alguns sites também), parece ter sido escrito no final do século XIX e começo do século XX (“jovial”? “apedeuta”? Oi?). E seu autor é desconhecido.
Assim como também é desconhecido se este decálogo possuía a intenção de satirizar algumas condutas completamente inaceitáveis para qualquer enxadrista ou (vai saber?) REALMENTE ACREDITAVA que tais posturas – que beiram o absurdo – poderiam ser úteis para alcançar a vitória (isso não sabemos. Mas uma briga, sem dúvida…).
“Medalha, medalha, medalha”…
… Mas a que preço?
No xadrez, e acreditamos que do mesmo modo em todo esporte (e, por que não?, também na vida), aprendemos não apenas através do exemplo positivo, mas também com o exemplo negativo. Quem nunca ouviu, logo após aprendermos a movimentar as peças e sofrer as primeiras derrotas, “aprendemos mais com nossas derrotas do que com nossas vitórias”. Agora não poderia ser diferente, não é?
Como ensina o antigo, mas ainda útil, livro do mestre russo Znosko-Borovsky (aqui numa tradução espanhola): “Como no debe jugarse al ajedrez”.
Sendo assim, sem dúvida nenhuma, o decálogo acima é uma aula sobre O QUE UM ENXADRISTA NÃO DEVE FAZER.
E então? Faltou alguma coisa que o enxadrista NÃO DEVE FAZER? Com certeza sim. Portanto, deixe sua opinião nos comentários – aqui mesmo, nesta reportagem, ou em nossa fan page no Facebook – e vamos tentar entender um pouquinho mais sobre o mundo do xadrez (e sobre nós mesmos). Topa?
Escrito por Equipe Academia de Xadrez Rafael Leitão 14-10-2017
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derrubar a mesa. E "vestir o tabuleiro" na cabeça do vencedor, como vi acontecer uma vez.
Derrubar as peças, desfazer o jogo, para reiniciar e ganhar os adversários nos nervos.
Sou um ****
muito polido, ando descalço pra não fazer barulho, cadeira um pouco longe da mesa, o suficiente pra eu não ficar desconfortável com o tabuleiro e ao mesmo tempo poder sair sem causar barulho ou distração ao oponente.
Só levo a mão rumo ao tabuleiro pra mover, nunca aponto peças, é bem direto, pegou, moveu e ponto final.
E um monte de outras "friscuras" .... Meu único defeito é que não se pode falar comigo.
Sou o cara mais falador do mundo.
Mas já que não permite conversa durante a partida, só eu sofro... Pois me manter calado é ****
O pior que me aconteceu foi num torneio infantil. Num dado momento, percebi que meu adversário olhava por cima da minha cabeça. Ao olhar pra trás, lá estava o pai dele fazendo que sim com a cabeça. Era muito bobinho na época e não fiz nada. Continuei jogando e empatamos. Acho que hoje, com meu humor meio ácido, também continuaria jogando e, ao terminar a partida, em vez de apertar a mão do meu adversário, apertaria a do pai dele.
Pior atitude é v ter mau hálito e ficar debruçado no tabuleiro, respirando de boca aberta, nocauteando o adversário.
Outra coisa que um enxadrista nunca deve fazer nos últimos minutos de um Blitz: "Ser tão rápido ao pressionar o botão do relógio após sua jogada, a ponto de praticamente não permitir ao adversário pressionar o botão do relógio dele após o seu lance". Isto é total falta de flair play.
Realmente o "Jogo dos Reis" parece ter ficado só para as peças. Essa lista de COMO NÃO PORTAR-SE, me fez ver alguns, senão uma boa parte dos jogadores aqui do Clube que Frequento e da Federação da qual faço parte.
até no xadrez pela internet conseguem ser maleducados, se bem que por ali 90% dos problemas são filtrados
A situação mais comum é quando um jogador tem grande vantagem material e pouco tempo no relógio, enquanto o adversário tem tempo sobrando e em vez de abandonar, continua jogando para tentar fazer a seta do adversário cair. Esse tipo de jogador deveria ser expulso das competições.