Em 1912, surge o Manifesto das Sete Artes, por Ricciotto Canudo, um crítico de cinema italiano que o publicou em 1923, visando a defesa da arte cinematográfica. Essa listagem tem artes interessantes como a música em primeiro lugar seguida da Dança, Pintura, Escultura, Teatro e Literatura, tendo então como a “Sétima Arte”, o cinema.
A modernidade cria novos conceitos e outras tantas artes a se encaixarem nessa listagem, como Fotografia, Televisão, Video Game, Arte Digital, dentre outras. Este é ponto de dissonância disso tudo.
Há uma eterna discussão a se entender o que realmente é arte e o que mereceria o honroso direito de fazer parte deste grupo.
O que significa arte? O que uma determinada tarefa necessita fazer pra conquistar a nomenclatura? A construção da Quéops não classificaria a engenharia como arte? Ou um arriscado transplante uterino não classificaria a medicina?
Em quesito conceitual, espera-se dessas atividades, que através de percepções, ideias e emoções, consigam estimular a beleza não vista, a tristeza mal sentida ou o riso escondido. Então talvez já saibamos o que é arte! Sendo assim, o que é o xadrez? Poderíamos citar centenas de frases e menções que são feitas ao jogo. Esporte, jogo, ciência, arte… O que há realmente escondido por trás destas simples casas quadriculadas? Por que alguns dizem ser mais perigoso que o boxe?
Quando apresentado ao leigo, é um jogo sem muitas alternativas. Na simplicidade das movimentações das peças, descobre-se que uma “come” a outra e este é o propósito findado. Procura-se distanciar as peças das casas protegidas pelos peões adversários e preocupa-se com a estranha movimentação do cavalo. Caso volte à gaveta, esse tabuleiro e peças não passarão de um jogo de sorte.
Mas há aquele que o retira da gaveta pela segunda vez. Que insiste em questioná-lo. Esse talvez já descubra uma pequena beleza nas diferenças de forças entre as peças e assim, começa a interiorizar o conceito estratégico do jogo. Há aí uma primeira identificação com as derrotas da vida. Com as impulsividades mal terminadas, com os anseios precipitados. É o primeiro contato com o pensamento ilógico e assim, o estranhamento com o jogo.
Quando tentamos incentivar crianças e principalmente seus pais à iniciação ao xadrez, dissertamos sobre as inúmeras melhoras lógicas que ele oferece. Todos os documentários que assistimos sobre este tema falam sobre a função cerebral que ele estimula, mas não é isso que faz o leigo a abrir a gaveta pela terceira vez, nem pela décima.
Não é isso que faz com que você, enxadrista, esteja lendo este artigo.
Há algo enigmático no xadrez, quase que imperceptível. Há uma ligação mútua, uma curiosidade interminável. Quanto mais o jogador se debruça a conhecê-lo, mas se torna ele e então, passa fazer parte dos movimentos e cálculos. Sente o desespero real de uma posição complicada e mais intenso ainda ao se sentir perdido. As peças deixam de ser só peças e nas sessenta e quatro casas, vivencia-se todo tipo de sensações, medos, angústias, desejos e emoções. Tudo é uma única extensão de seu próprio ego, sem desculpas pelo passe errado do companheiro de jogo, da mudança de vento ou do equipamento inferior. É só você e o que o seu xadrez pode oferecer. As movimentações e valores diferentes das peças se tornam seus mais comuns devaneios e arquétipos moldados pela consequência da sobrevivência.
Esta entrega é arriscada. Quantos já não choraram pelas derrotas? Quantas derrotas não nos assombram por anos? Quantas partidas vencidas não mencionamos por todo o tempo? Quando o xadrez se torna você, atingimos o princípio artístico. Em sua singularidade, uma arte que permite que o artista seja ela própria.
O músico se emociona em seu ofício, transmitindo emoções infindáveis; nos emocionamos com o texto bem escrito e bem narrado pela entrega do ator. O artista em geral, se permite ser meio e não fim.
No xadrez não. O maior prazer é dado ao próprio artista. A grande beleza está na partida em que o próprio enxadrista se lança. Há arte nas brilhantes partidas alheias, mas nenhuma delas causa a intensidade emocional e psicológica como na partida que se joga.
O mundo não pode se dizer conhecedor deste brilhantismo, então o chamam de jogo. Torna-se uma arte restrita e incomparável. Não há notas certas, não há fórmula exata, não há espaço para a subjetividade individual, pois com tudo isso há sempre um resultado final.
Se o leitor puder ser capaz de tentar suportar a intensidade desta entrega, basta acionar o relógio!
Escrito por Jovane Nikolic – ator, diretor e dramaturgo.
Magnífico! Parabéns!!!
Obrigado por acompanhar o blog, Ibernon. Parabéns ao Jovane, que escreveu um belo texto.
Bom texto realmente traz uma carga de valor artístico muito grande para aqueles que fazem do xadrez uma inspiração seja como esporte amador, profissional e também um lazer educativo. Quem lê e gosta do xadrez, se encontra nessas entrelinhas que transpiram o espírito da arte das 64 casas e se torna uma extensão de sua alma. Parabéns pelo texto brilhante!!
Muy bueno maestro, usted sabe de verdad!