Entenda o Contexto
No final de 1981, aos 18 anos, Garry Kasparov já havia demonstrado ser um potencial candidato ao título mundial. No entanto, o jovem de Baku ainda carecia de certas qualidades inerentes aos grandes nomes da história do xadrez. Fato que foi comprovado no Torneio de Tilburg (Holanda), quando não conseguiu lutar pelas primeiras colocações.
Tilburg Interpolis / Outubro 1981
1- Beliavsky 7.5/11
2- Petrosian 7.0
3- Portisch 6.5
4- Timman 6.5
5- Ljubojevic 6.0
6- Andersson 5.5
7- Spassky 5.5
8- Kasparov 5.5
9- Sosonko 4.5
10- Larsen 4.5
11- Huebner 4.0
12-Miles 3.0
Kasparov em Tilburg, 1981
Kasparov comentou sua atuação: “Compreendi que este torneio foi uma etapa necessária em minha educação. Não estava acostumado com o fracasso. De todo modo, o fracasso foi relativo. Para os níveis de muita gente, parecia ser positivo para um menino de 18 anos terminar na metade da classificação em um torneio com Grandes Mestres adultos. Sem dúvidas, para mim foi uma atuação frustrante. Depois disso, me dei conta que necessitava mais experiência contra os Grandes Mestres estrangeiros. Meus treinadores e eu estivemos de acordo que essa era a principal lição de Tilburg”.
Kasparov recuperou seu estado ânimo rapidamente ao compartilhar a primeira colocação – com Psakhis – do Campeonato Soviético, realizado entre 27 de novembro e 22 de dezembro. O ano seguinte, de 1982, seria de grande importância para suas aspirações no xadrez.
A Crise de 1982
Naturalmente, a fim de ganhar experiência, Kasparov fez uma lista dos torneios internacionais que gostaria de participar em 1982. Ele foi convidado para os principais eventos, mas os mais interessantes eram os torneios de Londres, Turim e Bugojno, na então Iugoslávia. Após uma consulta a seus treinadores, Kasparov priorizou Bugojno, ainda que necessitasse de uma permissão da Federação Soviética de Xadrez e do Comitê Desportivo.
Garry e Shakarov, Moscou 1980
Kasparov acreditava que a permissão não passava de uma mera formalidade, contudo, o Comitê Desportivo lhe ofereceu um torneio de categoria inferior em Dortmund. “Isso era um insulto para um jogador com meu histórico, e eles sabiam disso. Outros Grandes Mestres podiam jogar os grandes torneios, mas Kasparov não, mesmo sendo o atual campeão soviético e com um rating mais alto que muitos jogadores a quem eles deram permissão”, reclamou Kasparov.
Garry não entendeu a negativa até ouvir do presidente da Federação Soviética, Nikolai Krogius, uma frase que marcou sua carreira: “Neste momento temos um campeão mundial e não necessitamos de outro”, referindo-se a Anatoly Karpov. Outro membro do Comitê Desportivo afirmou com a maior sinceridade que o “comitê faria de tudo para evitar um possível match Karpov x Kasparov no ciclo de 1984”. Garry recusou disputar o Torneio de Dortmund e decidiu lutar pelos seus direitos.
Batalha Política
Ao sentir-se prejudicado pelas ações da Federação de Xadrez e do Comitê Desportivo, Kasparov decidiu lutar em uma instância superior. Aos 19 anos, sua luta fora das 64 casas era demasiadamente complexa e ele precisava de ajuda, apoio encontrado na terra natal.
Geidar Aliev era o chefe da República do Azerbaijão e uma figura poderosa no Kremlin. Além de um homem poderoso, Aliev tinha a confiança de Kasparov. O político convidou Kasparov para dar um discurso no Congresso de Komsomol (a organização juvenil do Partido Comunista da União Soviética). Quando ficaram sabendo do discurso de Kasparov, os membros da Federação de Xadrez e do Comitê Desportivo viajaram de Moscou ao Azerbaijão para ouvi-lo.
“Não sei quem os convidou, ou se alguém o fez. Eu certamente não fui, mas já que estavam ali, tive a oportunidade de dirigir alguns comentários especiais a eles e a Aliev. Disse que estava orgulhoso de ter o apoio de minha maravilhosa república em todas as minhas disputas no xadrez. Basicamente, eu estava dizendo que eu não era um simples menino de Baku que poderiam tratar de qualquer jeito. Queria que eles soubessem que eu tinha uma grande república comigo, dirigida por uma das figuras mais poderosas do Kremlin. Eu também tinha amigos nos altos postos. Aliev sabia que eu necessitava recorrer a sua poderosa ajuda”, explica Kasparov.
A mensagem de Kasparov teve o efeito desejado. Como resultado, Garry foi enviado para disputar o Torneio de Bugojno, enquanto Karpov foi jogar em Londres e Turim. Segundo Kasparov, o enfrentamento foi evitado porque “Karpov perderia prestígio se eu o vencesse”. Anatoly Karpov compartilhou a primeira colocação das duas competições com Ulf Andersson.
Karpov x Kasparov, duelo ultrapassou a barreira do tabuleiro
O Torneio
Se chegar a Bugojno já foi uma vitória para Garry Kasparov, o torneio em si compensou o esforço. O jovem prodígio enfrentou lendas como Spassky, Petrosian, Larsen, Andersson, Gligoric, Ljubojevic, Polugayevsky, Timman, Najdorf e Hubner.
Os erros de Tilburg não voltaram a aparecer e Kasparov venceu o torneio invicto com um ponto e meio na frente de Ljubojevic, Polugayevsky e Hubner. Após vencer Petrosian, Kasparov ficou tão contente que afirmou ser “a melhor partida da minha vida”.
Bugojno 1982
1- Kasparov 9.5/13
2- Polugaevsky 8.0
3- Ljubojevic 8.0
4- Huebner 8.0
5- Spassky 7.5
6- Petrosian 7.0
7- Andersson 7.0
8- Larsen 6.5
9- Ivanovic 6.0
10- Timman 5.5
11- Kavalek 5.0
12- Najdorf 5.0
13- Gligoric 4.5
14- Ivkov 3.5
Depois de Bugojno, Kasparov iniciou sua saga pelo ciclo do Campeonato Mundial que culminou no interminável match com Anatoly Karpov, em 1984.
Bugojno 1982, primeira fileira da esquerda para a direita: Ljubomir Ljubojević, Tigran Petrosian, Ulf Andersson, Lubomir Kavalek, Władysław Litmanowicz (árbitro) mais ao fundo, Svetozar Gligorić e Miguel Najdorf. Fileira do meio: Miloš Petronić (árbitro), Boris Spassky, Bent Larsen, Lev Polugaevsky, Garry Kasparov e Dimitrije Bjelica (organizador). No topo: Robert Hübner, Jan Timman, Božidar Ivanović e Borislav Ivkov.
Garry Kasparov teve de superar barreiras além das 64 casas para se tornar Campeão Mundial. O “Ogro de Baku” é o maior enxadrista de todos os tempos? Deixe sua opinião nos comentários.
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Texto Escrito pelo MF William Cruz
Referências Bibliográficas:
Garry Kasparov, Hijo del Cambio – 1987.
Pra mim ele é o maior que já existiu.
Magnus Carlsen ganha no fotochart.