Atualmente qualquer enxadrista consegue acessar as partidas do seu adversário em poucos segundos no ChessBase. Esse recurso mudou completamente o xadrez. Na prática, isso significa que – quando o intervalo entre as rodadas permite – todo mundo prepara contra todo mundo. Mas nem sempre foi assim…
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Bobby Fischer começaria o match contra Boris Spassky, pelo Campeonato Mundial, em 11 de julho de 1972. Antes disso, Fischer precisava se preparar contra Spassky e analisar as partidas do soviético era fundamental. Foi aí que o americano recorreu a dois colaboradores, que o apoiaram nessa busca incessante por informação.
Kenneth Smith
Kenneth Ray Smith era um mestre de xadrez e também jogava poker. Dirigia a revista Chess Digest em Dallas, nos Estados Unidos, e destinava a Fischer uma vasta literatura de xadrez de todo o mundo. Para saciar a sede de Fischer, Smith o visitava com malas e malas cheias de livros, revistas, tudo que pudesse ser útil.
No entanto, em regra, ambos não se viam pessoalmente. Smith ajudava o enxadrista por meio de algum outro contato e a comunicação entre ambos era feita por um sistema codificado. Mais uma das excentricidades do então aspirante ao título mundial.
Só que Fischer tinha mais uma carta na manga, e ela atendia pelo nome de Robert Wade, um Mestre Internacional da Nova Zelândia, com residência em Londres.
“Bob” Wade, *10 de abril 1921 / + 29 de novembro 2008
Bob Wade
Wade tinha uma extensa biblioteca de xadrez. Ele já havia enviado para Fischer tudo o que encontrara de Taimanov, Larsen e Petrosian. Então, foi convocado para sua última missão, que atendia pelo nome de Boris Spassky.
O enxadrista investigou e compilou com grande esforço todas as partidas de Spassky publicadas até então. É claro que algumas partidas eram bem conhecidas, mas ele localizou jogos do soviético em revistas praticamente desconhecidas pelo mundo.
O trabalho de Wade somou mais de mil páginas, o que correspondia a mais de mil partidas. O equivalente a uma base de dados de qualquer Grande Mestre nos tempos atuais, porém, feita à mão, com um esforço inimaginável.
Por fim, Wade enviou seu trabalho a Fischer por Ed Edmondson, que atuava na Federação de Xadrez dos Estados Unidos. Foi ele quem pediu a Pal Benko que cedesse sua vaga a Fischer no Interzonal.
Edmondson encadernou o trabalho de Wade em um veludo vermelho. Por sorte, nenhum acidente aconteceu e o trabalho chegou a Fischer. Vale ressaltar que não havia uma única cópia de todo aquele esforço.
Quando Fischer recebeu o material, escreveu uma carta para Wade. Agradecimento? Que nada, Fischer reclamou o fato de Wade ter escrito os movimentos da esquerda para a direita, quando a preferência era de cima para baixo. “Você é incapaz de seguir as recomendações mais simples? reclamou.”
Wade não teve outro remédio, senão reescrever tudo. O Mestre Internacional recebeu 600 dólares pelo trabalho, sendo $ 200 considerados como um prêmio extra pelo seu meticuloso trabalho.
Ao receber o material, Bobby Fischer então se isolou e o resto da história todo mundo conhece. Fischer teria sido campeão mundial sem a “base” enviada por Wade? Deixe sua opinião nos comentários.
Veja aqui algumas das melhores partidas de Bobby Fischer:
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Texto escrito pelo MF William Cruz.
Referência bibliográfica: “Bobby Fischer Se Fue a La Guerra”, David Edmonds e John Eidinow.
Penso que isso tudo tem a ver com a "guerra fria", e não necessariamente com as excentricidades de Fischer. Pelo pouco que sei, os EUA e a antiga URSS encaravam como batalhas entre eles as competições que ambos disputavam em qualquer esporte, a fim de mostrar a supremacia de um sobre o outro, e o Xadrez não poderia ser diferente. Mesmo após a "guerra fria", ainda fizeram aquela sacanagem com o Gary Kasparov, no segundo desafio contra o Deep Blue da IBM (já que no primeiro o Kasparov venceu), colocando a bandeira da Rússia de um lado e a dos EUA do outro, respectivamente, durante as partidas desse desafio... Além disso, eles esconderam do Kasparov as partidas do novo Deep Blue; eles evoluíam o software do DeepBlue após cada partida, contando com a orientação de GMs pagos pela IBM... Outra coisa, o Kasparov, como todo ser humano, saía bem desgastado após cada partida, o que não ocorria com seu adversário... Portanto, não era uma disputa entre países, mas, como o próprio Kasparov disse na época, da humanidade contra a máquina, e eu acrescento: contra a máquina ainda ajudada pela humanidade pra ser mais justo...
Excelente.
Entendo Fischer, ler tudo da direita pra esquerda é horrível....
Poderia ter vencido o Spassky sem o trabalho de Wade, mas com ou sem trabalho, o inimigo de Spassky era sua indisplicência, ele tava muito de boa sem o sangue nos olhos que o Fischer tava.
Pra mim o Fischer não jogou pelos EUA, essa propaganda toda veio depois
Fischer venceria de qualquer jeito, talvez com mais esforço, mas venceria.