Na residência dos Polgár respirava-se xadrez. O patriarca László Polgár ensinou o jogo às suas três filhas, mas no início somente treinava com seriedade as suas duas filhas mais velhas, Susan e Sofia, deixando a mais nova de fora das sessões de treinamento. Até que um dia, a família percebeu que o verdeiro talento para o xadrez pertencia à caçula, Judit.
Reza a lenda que certa noite Susan treinava xadrez com um mestre internacional, no entanto, nenhum dos dois conseguia solucionar um problema, foi quando Judit foi chamada e, ainda sonolenta, sugeriu uma brilhante jogada com o cavalo. Naquele instante todos se deram conta do talento da menina, enquanto ela só estava interessada em ser autorizada a voltar a dormir.
Dona de um estilo de jogo agressivo, ela sempre se destacou no mundo enxadrístico, especialmente no concorrido meio masculino. Não à toa, Mikhail Tal, quando ela tinha apenas 12 anos, profetizou que Judit teria potencial para vencer o Campeonato Mundial Absoluto. É bem verdade que o feito não foi alcançado, mas a grande mestre sempre se mostrou uma adversária à altura dos jogadores tops, chegando a ocupar o número 10 da lista FIDE.
Em 1991, ao sagrar-se vencedora do Campeonato Húngaro de Xadrez, tornou-se a mais jovem Grande Mestre da história, aos 15 anos de idade, superando em um mês o recorde que pertencia a ninguém menos que Bobby Fischer.
Um fato marcante de sua carreira é a relação estremecida que sempre teve com Garry Kasparov. Tudo começou em Linares, em 1994, quando Kasparov realizou uma jogada proibida, voltando o cavalo de um lance perdedor, mesmo já tendo largado a peça no tabuleiro. A enxadrista, de apenas 17 anos, declarou mais tarde que teve receio de reclamar já que estava apenas no início de sua carreira e seu adversário era um campeão mundial, mas um vídeo da partida comprovou a irregularidade e, ainda durante o torneio, Judit tirou satisfações com Kasparov, que se limitou a afirmar publicamente que estava com a consciência tranquila.
Mas os embates entre os dois ainda teriam outros capítulos e o sempre polêmico Kasparov até mesmo se utilizou do fato de Polgár ser uma mulher para menosprezar sua ascensão, chegando a dizer que o lugar de uma mulher era cuidando dos filhos.
No entanto, a grande dama do xadrez mundial ainda infligiria um duro golpe a Garry Kasparov, derrotando-lhe em 2002, no Match de Rápidas Rússia contra o Resto do Mundo, ocasião em que pela primeira vez na história do xadrez a número 1 feminina venceu oficialmente o número 1 masculino. Verdade seja dita, o escore do Kasparov contra a Judit é amplamente favorável ao russo. Mesmo assim é preciso destacar o feito da nossa heroína.
E o seu currículo contém outras vitórias memoráveis contra grandes nomes da história do xadrez mundial como Vasily Smyslov, Boris Spassky, Anatoly Karpov, Veselin Topalov e Viswanathan Anand.
Em Budapeste (1993), analisando com Spassky após derrotá-lo
Eu, particularmente, tive a honra de disputar 3 partidas com a grande mestre húngara. As duas primeiras em um evento da minha então patrocinadora, a Schahin Cury, em 1996. Eu e Milos enfrentávamos Judit e Sofia em um match de partidas rápidas. Perdi a primeira partida em uma Taimanov, mas venci a segunda em uma Índia do Rei. Contra Sofia consegui fazer 2 x 0 e ajudar a equipe masculina brasileira a levar a melhor sobre a equipe feminina húngara.
Já em 2000, no Memorial Najdorf em Buenos Aires, Judit, jogando no ritmo normal e conduzindo as brancas, foi um pouco menos benevolente. Tranquila vitória dela, para tristeza deste autor. O link para as partidas está no final do artigo.
A primeira visita dela ao nosso país aconteceu em 1996, quando – além de jogar o evento de rápidas ao lado de sua irmã -, venceu o match de 4 partidas contra o GM Gilberto Milos (+2, -1, =1). A última vez que Polgár esteve no Brasil foi na Festa da Uva de 2012, ocasião em que protagonizou a histórica cena na qual tirou os sapatos durante a simultânea, mostrando aos brasileiros que além de muito simpática, é uma pessoa de hábitos simples.
Infelizmente, essa foi a última vez que Judit Polgár veio ao Brasil como jogadora profissional, já que ao final das Olimpíadas de Xadrez de Tromso, em agosto de 2014, anunciou sua precoce aposentadoria, aos 38 anos, para se dedicar ao marido Gusztáv Font, aos filhos Oliver e Hanna e à Fundação que leva seu nome.
É uma grande lástima para o xadrez mundial que o fenômeno Judit Polgár tenha se afastado dos tabuleiros, o esporte está sentindo muita falta desta grande mulher.
Ofereço aos leitores uma chance de treinar sua tomada de decisão em alguns dos momentos críticos de minhas partidas contra Judit.
Links relacionados:
Parabéns GM Rafael Leitão, muito boa sua materia sobre a GM Polgar, seu blog está cada dia melhor, arrebentando. Show de Chess!!!Joaquim Virgolino. Esperança - PB.
Parabéns GM Rafael Leitão, muito boa sua materia sobre a GM Polgar, seu blog está cada dia melhor, arrebentando. Show de Chess!!!Joaquim Virgolino. Esperança - PB.
Rafael Leitão, excelente artigo. Além de excelente jogadora, é bonita, inteligente e carismática. Todas as qualidades para ser minha treinadora pessoal...rsrs
Parabéns pela matéria e pelos excelentes videos do Youtube. Parabéns também a Kasparov por mais essa antevisão longíngua e a Judit, que, finalmente - e ainda jovem - acolheu a sugestão do mestre e se retirou para cuidar dos filhos... Mais um Xeque-Mate de Gary... (brincadeira)
Essa húngara é uma das mulheres mais inteligentes do Mundo. Talvez a única mulher que poderia vencer um campeão mundial. A irmã dela joga muito bem, também. Ela deveria ter se aposentado mais tarde. Enxadrista brilhante.
Por que ela nao ganhou o feminino?
Porque ela nunca quis jogar o cqmpeonato mundial feminino.
Ótimo texto. Grande Judit Polgar. Grande Rafael. Viva a inteligência feminina.